Crítica: A Cor Púrpura (1985, de Steven Spielberg)

“Olha só pra você. É negra, é pobre, é feia, é mulher. Você não é nada!”

E são com estas palavras fortes que começo a minha crítica. A Cor Púrpura estreou em 1985, e tem como diretor o mestre Steven Spielberg. Esta foi sua primeira empreitada em uma obra mais séria e sóbria, logo após se firmar em Hollywood com suas fantasias (Tubarão, ET, Contatos Imediatos de Terceiro Grau, Indiana Jones). Com todo seu talento, o diretor nos traz uma trama visceral, comparado a um soco no estômago, e porque não dizer: na mente. Na trama acompanhamos a triste vida de Celie, e sua lenta jornada (assim de como muitas mulheres negras na época) de se libertar.

Sou suspeito de falar do mestre, já que sou fã de Spielberg (incluindo seus trabalhos maduros, como Lincoln), mas este A Cor Púrpura se tornou um de meus favoritos. Sua maneira direta e simples de contar a história, sem exageros ou efeitos especiais, é tocante. A estreante Whoopi Goldberg entrega uma atuação digna de Oscar (concorreu mas não ganhou). Mais tarde ela viria a ser queridinha de Hollywood, mas mesmo assim eu digo que de longe, esta foi sua melhor performance. 


Falando em Oscar, este filme foi uma das maiores injustiças: concorreu a 11 Oscars e não levou nenhum, o que é lamentável, visto tamanha qualidade da obra. A obra é baseada no romance da premiada escritora afro-americana Alice Walker. O enredo, que tem início em meados de 1906 mostra todo o lado retrógrado, machista, preconceituoso e inflamatório que a sociedade tinha na época. A própria frase que coloquei ali em cima já mostra isso, causando qualquer tipo de nojo em pessoas que são “humanas” de verdade. E o mais profundo do filme é o racismo e o comportamento “doente” dos próprios negros da época.

A pobre Celie sofre de todas maneiras possíveis. É violentada pelo pai, no qual geram 2 crianças. Separada de seus filhos, é dada como esposa a um homem chamado Albert, que queria sua irmã. Seu pai alega que Albert ficará satisfeito com ela, mesmo sendo feia. Na chegada da casa de Albert, os filhos dele apedrejam Celie, machucando sua cabeça. Caída ao chão, ela se levanta, deixando a marca vermelha de sangue da palma da mão em uma pedra. Já deu para sentir o resto né? Isso que falei devem ser os 5 minutos iniciais, de uma obra de 2 horas e 25 minutos. Nossa personagem sofre todo tipo de abuso possível: físico, emocional, moral, sexual e porque não dizer também: espiritual. Um tanto lerda e acanhada, sem saber ler a princípio e mentalmente acorrentada aquele padrão baixo de vida, ela aceita e se submete a todo este horror. 

A situação vai mudando aos pouquinhos quando ela conhece mulheres de coragem, que estão dando passos importante para sua liberdade. Uma delas é Shug e a outra é Sofia. Celie começa aos poucos a lutar, aprender a sorrir. Cria esta coragem principalmente na esperança de reencontrar sua irmã. Ela também tem fé de reencontrar, ou ao menos saber o que aconteceu com seus filhos. 

As atuações são espetaculares. Como já disse, Whoopi Goldberg dá um show. Especialmente em determinada cena “pseudo-lésbica” em que Shug ensina a pobre Celie a sorrir, dançar e ser mais feliz. A atriz que interpreta Shug (Margaret Avery) também manda bem. A poderosa Oprah Winfrey surpreende com cenas incríveis. Sua personagem Sofia é forte e valentona, mas pelo meio da trama acaba sofrendo pelo seu comportamento avançado. As lágrimas que escorrem das atrizes são sinceras e convincentes. O ótimo Danny Glover é Albert, e faz um papel tão bom que você ficará odiando-o. Quer ter uma referência para saber quando há atuações monstruosas e impecáveis? Este filme é uma referência gritante.


A recriação de casas, roupas, comportamento e pensamento da época são incríveis. Uma fotografia fantástica, que por vezes soam como metáforas. A tal cor púrpura do título é o roxo (um leque entre vermelho e azul). Aqui no filme a cor é lindamente representada por flores deste tom. Há cenas específicas de Celie com sua irmã, ou dela com Shug, cujas flores de tal cor estão presentes. Quantas obras se dão ao luxo de serem líricas e ao mesmo tempo te esmagar profundamente? A realidade violenta e  perturbadora te incomodam, fazendo refletir sobre toda e qualquer forma de prisão. Como é muito bem retratado, às vezes é preciso dar o primeiro passo e dizer “basta” para tudo começar a mudar. Claro que muitas vezes dar este basta não é fácil. Na verdade nunca é. E o impressionante é que hoje muita coisa continua difícil para os negros, as mulheres, os pobres ou aquelas pessoas que de alguma forma são prisioneiras de uma determinada situação. 

Todo o lado social e humano é retratado com respeito, mas realismo. Era uma época perturbada para negros e para mulheres também. Triste ver como que ao longo dos séculos o humano sempre discriminou seu próximo, seja de um jeito ou de outro. Até entre “iguais” isto acontece. Usei iguais porque fica claro que os negros não são iguais entre si. Todos nós, humanos, é que somos iguais, independentemente de nação, pigmentação da pele, sexo, estilo de vida e de pensamento. A coisa mais simples muitas vezes é a mais esquecida e desrespeitada. Isso ficou retratado em outro filme recente, que tem uma direta associação com A Cor Púrpura. Estou falando de Preciosa, que ganhou alguns Oscars poucos anos atrás. Quem viu o filme ou leu o livro da escritora Saphire sabe o que digo. Na trama, a personagem central é pobre, gorda, “feia”, explorada pela terrível mãe, foi violentada pelo pai, já tem um filho com síndrome de Down e está grávida pela segunda vez. A jornada de libertação dela é semelhante a de Celie. No caso de Preciosa é um pouco mais pesada e triste, sendo retratada em nossos dias. Mas a ligação entre ambas é forte. 


Como escrever faz parte de mim, não poderia deixar de escrever muito a respeito, mas é incrível a mensagem que o filme passa. Depois de todo este sofrimento que salientei, claro que digo que há redenção. Talvez não definitiva e nem para todos. Nunca há redenção para todos. Mas é justa toda a sequência final. Aos mais sensíveis, e aquelas pessoas que talvez passem por determinado problema pessoal que lhe oprima; deverá se entregar às lágrimas. Não costumo chorar ao ver filmes, mas lógico que este aqui emociona. Não é aquele melodrama forçado de novelas e romances água com açúcar. É algo profundo, que leva seu estado de espírito para um pensamento maior, mais humano e belo. 

Nós vivemos à sombra de medos, esperanças frustradas e muitas vezes o que queremos da vida não ocorre. Mas nunca desista, pois as coisas mudam. E esta mudança parte de você, não importa o que tenha que enfrentar. E às vezes, em raros momentos, tudo começa quando você aprecia algo simples, como uma flor de cor púrpura, amarela, rosa ou qualquer outra cor. Então você compreende e entende que não há nada mais único, vivo e vital. Então você muda. E por fim não lhe resta mais nada além de sorrir.


“Tudo no mundo quer ser amado. A gente canta e dança e grita porque quer ser amada. Olhe as árvores. Elas fazem tudo que a gente faz para chamar a atenção, menos andar.” 

Título Original: The Color Purple

Direção: Steven Spielberg

Duração: 154 minutos

Elenco: Danny Glover, Whoopi Goldberg, Margaret Avery, Oprah Winfrey, Willard E. Pugh, Akosua Busia, Desreta Jackson, Adolph Caesar, Rae Dawn Chong, Dana Ivey, Leonard Jackson, Bennet Guillory, John Patton Jr, Carl Anderson, Susan Beaubian, James Tillis, Phillip Strong, Laurence Fishburne. 

Sinopse: Em 1906, em uma pequena cidade da Georgia, sul dos Estados Unidos, a quase adolescente Celie, violentada pelo próprio pai, torna-se mãe de duas crianças. Separada dos filhos, Celie é doada à Mister, que a trata como companheira e escrava ao mesmo tempo. Cada vez mais calada e solitária, Celie passa a compartilhar sua tristeza em carta. Baseado no livro de Alice Walker, A Cor Púrpura recebeu 11 indicações ao Oscar em 1985 e já é considerado um clássico do cinema. Ao recriar 40 anos de crises emocionais na vida de vários personagens, o diretor Steven Spielberg fez o filme mais desafiante de sua carreira, capaz de despertar fúria, risos e lágrimas.

Trailer:

Já assistiu? 
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