Crítica: De Onde Eu Te Vejo (2016, de Luiz Villaça)



Esta história é uma daquelas gratas surpresas que encontramos no meio do caminho enquanto buscamos aleatoriamente, num dia qualquer, um filminho leve e descontraído, e acabamos dando de cara com muito mais. De Onde Eu Te Vejo é uma obra doce, cheia de ricas sutilezas, muita poesia e lindas declarações de amor. 

Em um momento em que o cinema brasileiro lança uma produção em série de comédias bobas e sem conteúdo, ainda temos a alegria de encontrar pelo caminho algo com profundidade, uma grande preocupação em te aproximar dos personagens através da empatia e, parafraseando Luiz Villaça, “mais que uma comédia romântica, De onde eu te vejo é uma comédia sentimental”. Irrefutável afirmação que só entende quem se permite à essa breve experiência.
O casal que divide sua história conosco é Ana Lúcia e Fábio, duas pessoas que vieram buscar em São Paulo novas oportunidades, dando início à uma linda aventura juntos. Ela, recém formada em arquitetura, vem do Rio de Janeiro com o desejo de construir coisas bonitas em São Paulo. Está sempre buscando por algo novo que faça seu coração vibrar, mesmo que em muitos momentos nem saiba exatamente o que procura. Acredita nos astros, ama todos os tipos de mapas e tem muita fé nos sinais do universo e em rituais que podem curar e salvar. 


Ele, um jornalista “pé no chão” que busca a felicidade nos fatos, no simples, no que tem e no que vive. Nunca duvidou do seu amor, dos pequenos gestos, dos pequenos sacrifícios diários para manter a relação sólida e, quase sempre, é gentil, amoroso e paciente com as crises e esquisitices de Ana Lúcia. Pessoas completamente diferentes e ao mesmo tempo tão complementares, unidas unicamente pelo amor que sentem uma pela outra. 

O maior fruto e também mais um bom tempero para essa relação é Manoela, a filha adolescente do casal. Ela que, na maior parte do tempo parece mais mãe do que filha, contribui muito com seu ponto de vista quase sempre maduro e objetivo em relação à maluquice dos pais que ela assiste dia após dia no meio dessa separação. Manoela traz também um grande e duro movimento à vida dos pais, pois acaba de passar no vestibular e vai morar no interior por conta de seus estudos. 


Começamos essa história de trás para frente, onde, na primeira cena do filme, Ana quebra a quarta parede conversando com o telespectador sobre o amor e também sobre o fim dele, sobre a ação do tempo e sobre grandes histórias e seus cenários. Ela diz tanto em poucas palavras e te mostra um novo horizonte, o dela, com grandes dúvidas e buscas por respostas e o dele, com a certeza de que o amor nunca deixou de existir e que eles devem estar juntos.


É tanta mudança e conflito interno pra lidar. Tanto amor sendo colocado em xeque pelo desgaste do tempo e dos medos que a vida coloca diante deles. É tanto desejo de caminhar lado à lado, mas também tantos questionamentos sobre um futuro incerto. É tanto medo de não ser amado.  


Depois de 20 anos, Ana começa a questionar sua sensação de que a relação ruiu e que o amor parece não ser mais o suficiente e, assim sendo, decide que devem se separar, mas com a evidência clara da dificuldade de romper laços, escolherem apartamentos que ficam frente à frente, separados por uma única rua que os permitem continuar dividindo tudo. E mesmo com a escolha da separação cada vez mais eles precisam lidar juntos com as questões trazidas pela vida, inclusive com a dor causada pela distância da única filha que foi morar no interior.


De Onde Eu Te Vejo me conquistou pela sensibilidade, me encantou pelos detalhes e me apaixonou pela forma delicada e generosa de contar uma história de amor. Um doce roteiro que, para mim, funcionou muito bem e caminhou com perfeição ao seu propósito, até mesmo os personagens menos desenvolvidos da trama tem um porqde ter acontecido assim. Nesse passeio pelas vidas dos personagens, tudo flui para que possamos sentir os anseios e angústias de cada um em profundidade. Tive a oportunidade de entrar em contato com cada uma daquelas emoções sentidas ali, mas que também eram minhas, afinal, quem nunca viveu uma história de amor, uma dor, uma frustração ou até aquela sensação angustiante de quem espera mais da vida? E, além de tudo isso, também ganhamos um dos finais mais lindos que a história poderia oferecer. 

As atuações são tão incríveis que por alguns instantes te fazem acreditar que aquelas duas pessoas vivem mesmo uma relação. Denise Fraga e Domingos Montagner são extremamente generosos em cena. É um bate bola de talento, sentimentos e uma feliz habilidade em contar histórias cotidianas como se as tivessem vivendo realmente naquele momento. É lindo de se ver!


O elenco de apoio nos é apresentado através dos altos e baixos das vidas  desse casal. Cada um deles acrescenta algo novo e de grande importância ao contexto e, entre analogias e metáforas, deixam muita riqueza em cada troca, movimentando certezas e incertezas e dando novo tom à trama. Dentre eles, os maiores destaques estão em Juca de Oliveira, que interpreta o apaixonado e poético Afonso, o dono do histórico Cine Marabá, e Laura Cardoso, a doce e contadora de histórias Yolanda. Gênios do teatro, da TV e do cinema brasileiros!


Aqui também podemos dizer que a cidade de São Paulo é quase um personagem desse romance. O filme enaltece sua arquitetura, seus monumentos, a beleza em cada esquina, um cinema histórico de rua, um restaurante italiano que vem acompanhado de lindas lembranças, seus edifícios e seu cinza poético. Ela coexiste dentro de cada história de vida e é por causa dela que essas mesmas vidas se cruzam e se alteram no caminhar dessas interações.

Sobre a fotografia... Ahhhh, o que dizer sobre os melhores ângulos de um tour por São Paulo? O que podemos falar sobre as cores mais lindas nos cartões postais mais incríveis dessa cidade? O que conseguimos acrescentar sobre um filme que, mesmo tendo sido em grande parte filmado em estúdio, entrega uma luz impecável e uma movimentação de câmeras super atípica que nos proporciona ângulos impecáveis? Um deleite!

Além disso temos uma trilha sonora muito sutil que não é feita para causar impacto ou te “contar” o que você deve sentir naquele momento, mas sim para preencher os espaços vazios. Ela está sempre presente, embora não se faça presente, é delicada, sutil e traz uma energia nova a cada lugar mostrado e à cada emoção sentida.


Este é um daqueles filmes que renovam nossa fé no cinema brasileiro nos mostrando que aqui também temos produções de qualidade, mesmo dentro de toda a simplicidade de um filme sobre histórias cotidianas como esse que acabo de explanar para vocês.


Título Original: De Onde Eu Te Vejo

Direção: Luiz Villaça

Duração: 90 minutos

Elenco: Denise Fraga, Domingos Montagner, Marisa Orth, Manoela Aliperti, Juca de Oliveira, Laura Cardoso, Laila Zaid, Marcello Airoldi, Claudia Missura.

Sinopse: Depois de 20 anos de casados, Ana Lucia e Fábio vivem sua primeira grande crise no casamento e decidem se separar morando em apartamentos diferentes, mas um de frente para o outro deixando evidente a dificuldade em romper os laços. Os dois também precisam lidar juntos com as mudanças na vida de Manoela, a filha adolescente que passou no vestibular e está indo morar no interior. A cidade de São Paulo é pequena para tantas confusões, lembranças e tanto amor.

Trailer:


Venha dividir conosco suas sensações sobre essa doce história de encontros e desencontros, de guerra e paz, mas de muito amor acima de tudo!

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