Crítica: Velvet Buzzsaw (2019, de Dan Gilroy)




*contém spoiler



Dan Gilroy, estreou nos cinemas com o elogiadíssimo O Abutre, o premiado longa-metragem que conta a história de um jornalista investigativo, que vai até às últimas consequências atrás de furos sensacionalistas nas noites de Los Angeles. 

Depois de dirigir outro filme indicado ao Oscar,  aqui em seu terceiro filme, ele volta com a parceria que conta com Jake GylenhaalRene Russo, explorando a podridão do mundo das galerias de arte. 

A obra da Netflix não foi vista com bons olhos por grande parte da mídia especializada, que ressaltou que o roteiro não define a temática do filme, muitas pontas soltas, além de plots subaproveitados nos quase 120 minutos de duração. Parece haver um desvio do foco principal à medida que o filme tenta, sem sucesso, desenvolver subtramas românticas no decorrer do longa. 


Apesar disso, venho aqui trazer um olhar diferente sobre o verdadeiro significado do filme. 

A trama de Velvet Buzzsaw é narrada a partir de três visões principais: Morf Vanderwalt (Jake Gylenhaal) um crítico de arte renomado, Rhodora Haze (Rene Ruso) dona de uma galeria badalada e Josephina (Zawe Ashton), funcionária da galeria de Rhodora. Em um pano de fundo que busca traduzir o glamour e a superficialidade do mercado de arte, Josephina encontra no apartamento de seu vizinho recém-falecido, obras de arte genuinamente maravilhosas. 





Josephina, cuja ambição principal é tornar-se relevante no mundo artístico e que vinha sendo muito cobrada por sua chefe Rhodora, faz um acordo com ela para a venda e exibição das obras encontradas, ao mesmo tempo que se envolve emocionalmente com Morf Wanderwalt. 


Enquanto se desenrolam as crises de relacionamento entre os personagens, as pinturas começam a se mostrar amaldiçoadas, matando todos os que têm contato com ela. O fato aterrorizante começa a movimentar aquele ciclo social e desestabilizar a vida e a carreira dos personagens apresentados. 

O que chama muita atenção à primeira vista, é a direção de Dan Gilroy, que inegavelmente, sabe controlar a câmera e executar seus planos com perfeição. Além da direção de arte e a fotografia, que também acrescentam na estética única do filme; logo na primeira sequência sua habilidade é reforçada ao apresentar uma mise en scène invejável que exibe a personalidade dos protagonistas e coadjuvantes em uma única sequência com poucas linhas de diálogo.  


É importante entender que as críticas negativas do filme vieram de dois pontos primordiais: o roteiro, como já citado, que parece não acertar o seu foco ao  investir em três histórias que, supostamente, não se encaixam uma na outra: a satirização da arte burguesa, o romance entre dois de seus protagonistas e as mortes causadas pelo serial killer sobrenatural. A impressão que fica para alguns é que houve uma grande quebra de expectativa de um bom terror psicológico que se anunciava, para se tornar uma versão pior dos filmes de franquias como Premonição ou Pânico, no sentido dos personagens serem assassinados um a um e devemos procurar saber quem ou o quê estão assassinando-os. A outra vertente critica negativamente a atuação de Jake Gyllenhaal, que, num primeiro momento, parece trazer o mesmo personagem visto em Okja.



Antes de entrar no destrinchamento das questões do roteiro, onde haverão os spoilers, começo defendendo a atuação de Jake, que ao contrário do que fez com o vilão caricato visto no filme do diretor coreano Bong-Joo-Ho, traz para 
seu personagem um tom recheado de soberba e pretensão, combinando perfeitamente com toda a história. Percebemos com naturalidade quando o personagem está em sua zona de conforto, ou quando ele se incomoda ao perder o controle das situações que se desenrolam.

Agora, vamos aprofundar na história para buscar esclarecer o porquê considero as críticas quanto ao roteiro insensatas.

ENTÃO, A PARTIR DAQUI, TEM SPOILER


Em entrevista ao portal Insider, o diretor declarou que seu filme é uma espécie de releitura de O Chamado, onde os personagens que usam a arte como um meio para alcançar realizações gananciosas, após olhar para uma das pinturas de Vetril Dease, ficam marcados para morrer. Analisando a declaração do diretor, é fato que Worf não capta a essência genuína das obras, e só as usa para manter o seu status como crítico e para impressionar Josephina. Rhodora, por sua vez, só pensa no lucro e no reconhecimento na high-society artística que as obras podem trazer. O que Josephina quer, Rhodora já tem, e vê nas obras de Vetril uma maneira de conquistar essa posição.

Mas após assistir e reassistir trago outra interpretação para esta “sátira diabólica” – “Devil Satire – Anagrama de Vetril Dease”:

As mortes absurdas do filme, são uma representação da desistência de cada personagem neste mundo monetizado da arte. 


Um dos maiores argumentos para este ponto, é que os dois personagens que tem contato com as obras do Sr. Dease e sobrevivem, são os dois artistas genuínos do filme, Damrish (Daveed Diggs) e Piers (John Malkovich). 



Damrish, antes que fosse atacado pelo “serial killer” decide voltar para o seu antigo atelier, enquanto Piers, se mostra um artista em crise, desde seu primeiro momento em tela, justamente porque se angustia com o fato de suas obras serem grandes mantenedoras deste mundo que deturpa a grande arte em prol de poder e dinheiro. 


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Em relação à morte dos personagens, vemos que o primeiro a ser assassinado é Bryson (personagem de Billy Magnussen), que em determinado momento do filme diz à Josephina a seguinte frase sobre a obra de Dease: “Eu não faço só manutenção, não sou um homem primitivo, essa merda aqui mexeu comigo”. 



Quando ele está escondendo as obras de Dease a pedido de Rhodora, o mesmo fogo que acende na lareira, acende em Bryson, e mesmo tentando apagar, ele não consegue. É então que vemos a imagem de um quadro com um macaco pintando por Dease, pegando fogo, e vamos para a cena onde acontece a “morte” do personagem.
Quando se depara com uma pintura de primatas no posto de gasolina, Bryson (Billy Magnussen) é “assassinado”. Isso acontece pois a obra desperta nele a percepção de que deve sair desde ciclo para conseguir expressar a sua verdadeira arte, mesmo que ela seja exposta num lugar tão banal quanto um posto de gasolina. Bryson costumava falar sobre ser um artista e ninguém reconhecê-lo e então percebe que não precisa estar dentro dessa lógica. Sua morte simboliza uma entrega para o que ele considera ser a verdadeira arte.

Já o personagem Jon Don Don, após começar a pesquisar sobre a vida de Dease, começa a se interessar por suas pinturas num nível que ultrapassa o financeiro. Notamos isso em um diálogo bem expositivo com o detetive que o auxilia nas investigações sobre Dease. Quando Jon Don Don percebe a sua galeria com um outro olhar, ele submerge na instalação que está exposta, e também é “assassinado”. 
No caso dele, após compreender que a obra de Vetril Dease vai além dos quadros, e que envolve a força da sua história de vida, ele larga o emprego ao perceber a banalidade de sua pequena sociedade. O detetive até fala sobre achar que tinha sido contratado para descobrir a vida do pintor para que suas obras aumentasse de valor, no que Jon responde que isto está em outro nível. Demonstrando o seu despertar genuíno para arte.

A personagem de Toni Collete (Gretchen) começa sua história trabalhando num museu com o desejo de largar seu emprego para retomar sua carreira com consultoria de arte. Quando decide largar o museu, ela enxerga e recomenda obras de arte somente por seu valor financeiro. Aliás, Gretchen é a personagem que mais escancara essa monetização da arte durante toda a projeção, deixando claro a necessidade de apresentar a Esfera, uma obra de arte de seu atual cliente, no museu onde trabalhava, somente para poder abater os impostos. Ela também fala diversas vezes no filme que o valor da obra é de 7 milhões de dólares tentando agregar valor à obra. Porém, no exato momento em que ela decide experimentar a Esfera, dentro do museu, Gretchen se maravilha e relembra o valor da arte e por isso acaba “morrendo”. 

Depois, é a vez de Josephina, que ao ter o seu carro impedido de sair do bar onde ela está com Damrish, se depara com uma galeria de grafite do coletivo dele, com quem tem um breve relacionamento. Damrish abre os olhos dela para um outro tipo de arte, diferente do que ela consumia enquanto estava junto de Morf. Como ela está mais aberta a isso, o que é explicitado na medida em que ela vai perdendo o interesse por Morf e admirando mais Damrish, ela vai deixando o celular de lado e começa a reparar mais nas coisas à sua volta, até sucumbir ao grafite como uma verdadeira arte. E, simbolicamente, larga o seu celular ao ser pega pelo “serial killer”.

Voltando ao começo, na primeira cena do filme, vemos Morf chegando na galeria e não se surpreendo com uma obra de arte contemporânea entitulada Hoboman. Ele analisa com desdém a obra, enquanto o artista tenta justificar a genialidade de sua criação. Hoboman pergunta a Worf: “Você já se sentiu invisível?” e podemos notar que o personagem de Jake Gyllenhaal não parece se importar com o questionamento. 

Mais adiante, em outro momento do filme, Josephina diz “Deve ser difícil para um crítico ficar confuso”, e a partir deste diálogo em específico, Worf muda a sua postura de analisar as coisas à distância, como na relação dele com a Esfera, que ele só olhava de longe quando finalmente coloca sua mão dentro da obra pra sentir a experiência completa. Ele então percebe que é menos importante do que pensa, e com o plus de seu interesse pela genuína arte de Dease, abre seus olhos novamente para o que ele considera a verdadeira arte. 

Então, quando ele encontra novamente o Hoboman no galpão, ele finalmente se rende à genialidade da obra. Após o término com Josephina que coincide com seu interesse crescente sobre a obra de Dease, ele reencontra o Hoboman no galpão, e ao ressignificar a obra é “assassinado” por ela.



Rhodora, é a mais resistente de todas, a mais distante da arte que a interessa. E por isso mesmo que o roteiro dá uma atenção ainda maior à sua morte. Rhodora chega a se encantar com a obra de Dease ao ponto de pendurar um dos quadros em sua própria casa. Quando ela percebe que algo está acontecendo, ela precisa tirar a arte da parede a tempo de não ficar tão tocada e ao fazer isso “sobrevive” aos encantamentos mortais que aquilo causa. No dia seguinte de manhã, ela pede a seus funcionários para que retirem qualquer arte da sua casa, após quase ser assassinada por mais uma delas. Mas num momento reflexivo, ela se volta à sua essência (sua banda da juventude, que dá o nome ao filme) e acaba sendo morta por sua tatuagem, o símbolo da banda que representa tudo que Rhodora considera ser sua verdade artística.
Por fim, durante os créditos, Piers está numa espécie de paraíso, mostrando o resultado final da ressignificação artística. Um artista que estava prestes a entrar na mesma paranoia dos personagens assassinados, e que durante o filme se mostra conflitante quanto à reprodutibilidade de sua arte e o significado dela em si, consegue voltar a seu apogeu artístico em uma catarse libertária.

A falha de Velvet Buzzsaw, é apostar o protagonismo da trama no personagem de Jake Gylenhaal, em vez de trazer o olhar da estagiária Coco (vivida por Natalia Dyer de Stranger Things) com mais força para a história. Apostar no personagem de Gylenhall fez com que todas as mensagens discutidas no filme, corressem o risco de passarem desapercebidas. Fazendo o filme ser reduzido, como foi, a um terror gore com algum potencial supostamente desperdiçado. 

As mortes são absurdas, para mostrar o sentimento que Coco tem em relação à desistência das “vítimas” do Serial Killer de pertencer a este mundo em que ela está tão abismada de adentrar. Podemos notar, que na última sequência do filme antes dos créditos finais, depois de Coco pegar o cachorro de Rhodora, ela passa por obras de Dease sendo vendidas na calçada, e não tem nenhuma reação a isso, mostrando como ela não se importa com a arte fora daquela pequena sociedade retratada no filme. 

A mensagem que eu quero deixar com tudo isso é que Velvet Buzzsaw tem uma mensagem forte, uma direção primorosa e conta sua história de maneira extremamente criativa. Seu único defeito é não dar uma chance clara ao espectador em entender a trama além do óbvio. 



Título Original: Velvet Buzzsaw




Direção: Dan Gilroy






Duração: 120 minutos



Elenco: Jake Gyllenhaal, Rene Russo, John Malkovich, Toni Collete, Billy Magnussen, Zawe Ashton, Natalia Dyer, Daveed Diggs


Sinopse: Quando o mercado da arte colide diretamente com o mercado do comércio, artistas e investidores milionários encontram-se em um duro embate financeiro que pode sacrificar muito mais do que suas carreiras.




Trailer:

Assistiram ao filme? Conseguiram captar essa perspectiva? Entenderam o ponto de vista? Qual outro filme poderíamos fazer uma análise mais profunda do roteiro? Deixem nos comentários. 

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