Crítica: Boneca Russa (2019, de Natasha Lyonne e outros)

Acredito que na vida, todos nós temos arrependimentos. Se você não tem nenhum é porque ainda não viveu tudo o que deveria ou ainda não chegou sua hora. O que sei, definitivamente, é que uma hora ou outra você vai ter aquele arrependimento. Seja por ter feito uma escolha errada, seja por culpa, remorso, uma atitude ou simplesmente por não ter feito nada. Aquele momento que poderíamos ter feito algo e simplesmente não fizemos. Agora, imagine passar por esse momento diversas vezes para tentar corrigi-lo e ainda assim não conseguir. Basicamente é disso que estamos falando em Boneca Russa, a nova série da Netflix. Confira o que achamos da excelente primeira temporada.

A série é uma reflexão sobre como encaramos a vida e como nossas escolhas trazem consequências, não só para nós, mas também para as pessoas à nossa volta. Percebemos que o universo trabalha de maneiras misteriosas, e tudo aquilo que consideramos coincidência, na verdade foi fruto de uma escolha. Nada é por acaso.
A história usa e abusa do humor negro para recriar o universo de Nadia, interpretada pela excelente Natasha Lyonne, que você deve conhecer pelo seu trabalho excepcional em Orange Is The New Black. A versatilidade da atriz encaixa como uma luva na excêntrica personagem da série, que ao completar 36 anos, percebe que sempre começa o dia do mesmo jeito: na sua festa de aniversário. Claro que para isso ela precisa morrer, mas precisamos entender que seu aniversário é uma data difícil, pois é um lembrete da morte da mãe. Sem entender direito o que está acontecendo, ela começa a pensar que está tendo uma viagem por causa de drogas. A princípio, a série tem seus pontos altos na comédia, mas ao passar dos episódios algo mórbido começa a seguir a personagem, que apesar de parecer ter todo o tempo do mundo, já que os dias não passam, a podridão que a segue começa a afetar as pessoas ao seu redor. 

A cada morte que a personagem tem, algo muda, por mais insignificante que pareça. Percebemos que os traumas de sua infância não foram resolvidos e isso a transformou em uma pessoa autodestrutiva, que se sente pouco à vontade com o futuro, com relações amorosas ou qualquer coisa que envolva de fato se doar à outra pessoa. Percebemos também o quanto as perdas que ela teve na vida a abalaram completamente. Em todas as suas idas e vindas, o único ponto que ela se lembrava de fato era que seu gato, Aveia, havia sumido. Por diversas vezes ele foi o ponto de ligação na história para fazer com que ela fosse atrás de respostas.

A dinâmica começa a mudar quando, acidentalmente – ou não – ela acaba conhecendo Alan (Charlie Barnett), que por algum motivo também está vivenciando o pior dia da sua vida de novo e de novo. Eles se conectam e percebem que suas mortes estão ligadas, sendo necessário que ambos busquem por respostas juntos. 

Para ele, o dia que se repete é quando sua namorada termina com ele, justamente quando ele pretendia pedi-la em casamento. Porém, após conhecer Nadia, o roteiro muda, assim como o dia dela. Como se um interferisse na vida do outro inconscientemente. Essa dinâmica entre os dois é tão bem construída que não é necessário grandes explicações. Eles se encontram, dizem como morreram e partem para a próxima. 

Os episódios são construídos em cima da vida de ambos, como suas principais motivações, medos, melhores amigos, trabalho. Somente o que realmente importa para eles. Percebemos melhor a relação de amizade de Nadia com suas amigas e principalmente com Ruth (Elizabeth Ashley), com quem ela vive desde criança. Muita coisa importante é dita nesses episódios e para um olhar desatento, a série pode parecer chata. O que é um enorme engano.

A série lida com temas fortes e pesados e o humor negro tira um pouco dessa pressão, mas se percebemos os dois personagens principais são pessoas infelizes consigo mesmo. Cada um é autodestrutivo à sua maneira, consigo e com os outros, porque viver entorpecido é muito mais fácil do que lidar com a dor. Compreender o que gerou essa onda de infelicidade é muito difícil, dizer isso em voz alta e aceitar que tudo que está acontecendo é para tentar resolver isso é pior ainda. Claro que nós não temos uma vida infinita igual a eles na série, mas fica a questão no ar: você seria capaz de mudar algo do passado se tivesse a chance? Se por um lado Nadia não consegue aceitar o passado, Alan não consegue lidar com o presente e o futuro. 

A série coloca os personagens em um ponto de reflexão sobre a vida. Ambos precisam de uma motivação para viver, no sentido literal da palavra e não somente existir. Com certeza o roteiro tem muitas variáveis que poderiam ser mais aprofundadas, mas não acho que houve necessidade, porque a forma como os personagens lidaram com as situações mesmo tendo medo é o que importa. O ponto alto é quando eles percebem que suas vidas estão ligadas da maneira mais tola e natural que existe, estão ligadas pelo acaso – se é que existe isso – e eles só vão conseguir sair do “buraco” com a ajuda um do outro. Esse é o grande segredo da série.


Depressão, suicídio, instabilidade emocional. Tudo citado de maneira saudável e inteligente. A história me emocionou quando eles finalmente se dão conta de quem são e não de quem eles tentavam ser. Quando eles se aceitam e entendem seus problemas sem tentar enganar a si e aos outros é quando eles começam a melhorar e dar fim nesse ciclo infinito de sofrimento. Porque vale lembrar que eles estão vivendo o pior dia de suas vidas. Mas na verdade esse loop é um só um dos tantos dias ruins que os levaram até ali. 

A série é estruturada, tem uma mensagem muito significativa de que, no fim, tudo o que precisamos é de alguém que se importe e nos ajude. Ninguém está sozinho no mundo por mais que seja isso que pareça. Finalizo meu parecer sobre a série como sendo uma das melhores séries da Netflix que vi nesse ano.

Título Original: Russian Doll

Direção: Jamie Babbit, Leslye Headland, Natasha Lyonne 

Episódios: 8

Duração: 30 minutos aprox.

Elenco: Natasha Lyonne, Charlie Barnett, Brendan Sexton, Elizabeth Ashley, Greta Lee, Jeremy Bobb, Rebecca Henderson

Sinopse: Em seu aniversário de 36 anos, Nadia (Natasha Lyonne) morre. Mas retorna para morrer de novo. E de novo. Presa nesse ciclo surreal, só lhe resta encarar a própria mortalidade.

Trailer:
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