Por que a indicação de Pantera Negra ao Oscar 2019 incomoda tanto?

É inegável que a cerimônia do Oscar possui uma maior notoriedade para o público geral face às outras premiações, sendo hoje uma referência no mundo do cinema, mesmo que não seja uma referência como uma premiação justa, por assim dizer.


Como o cinema é, por muitas das vezes, um retrato da história mundial, conforme a sociedade vai evoluindo certos pensamentos e comportamentos, vemos cada vez mais obras que abordarão essas evoluções e as premiações estarão aí para revelar os melhores filmes, diretores, atores, roteiros e quesitos técnicos para o grande público.
Neste panorama, diversos tipos de filme figuram entre as indicações e não há necessariamente uma receita de bolo para as histórias que são indicadas, porém algumas delas ganham relevância por possuírem um cunho mais social e/ou político. 

Assim, ao longo de 20 anos, é possível levantar quantos filmes tiveram em suas temáticas alguma história que abordasse a vida de um negro. Veja:

* Crash – No Limite possui vários personagens principais, portanto foi considerado por haver nas diferentes histórias uma que aborde a vida de um negro e sua família
Nesses últimos 20 anos tivemos 17 filmes com temáticas sobre o negro indicados, sendo que a proporção não chega a ser de quase um filme a cada ano, pois em alguns anos tivemos mais filmes indicados e em outros nenhum. Os únicos filmes desta lista que abordam o negro em posição de poder são Pantera Negra e Django Livre. Destes dois, Pantera Negra é o único a colocar o negro em uma posição não somente de poder físico, visto que o personagem é um super-herói, mas ainda de poder social, pois ele é um príncipe que se torna rei de uma nação avançada em vários sentidos.

Com base nesta análise, voltamos à pergunta-título: Por que a indicação de Pantera Negra incomoda tanto?
Nos mais diversos fóruns sobre cinema, as opiniões são diversificadas, no que tange à insatisfação ao ver o filme sendo indicado e vão desde “o filme não é isso tudo para ser indicado”, “filme de herói sendo indicado é apelação”, “a indicação foi só para lacrar” até comentários do tipo “nossa!, mas agora tudo tem que ter negro?” entre outros mais pejorativos e completamente descabidos.

Vamos por partes então! 


Filmes indicados para premiações nem sempre são 100% aclamados pela crítica. Por diversos pequenos erros que podemos enumerar em uma lista infinita, um filme nem sempre é perfeito e vai mais ao encontro daquele que o assiste, portanto há algo de pessoal nas avaliações, o que subjetiviza ainda mais as experiências cinematográficas.

Outro ponto é que há tempos estamos sendo agraciados com histórias de super -heróis nos cinemas e conforme o tempo passa, cada vez mais essas histórias vão sendo melhor trabalhadas, mais aprimoradas com o sentido de não só conquistar o maior número possível de fãs, como também uma resposta à evolução do pensamento e comportamento da sociedade. 


Uma breve comparação pode ser feita com a série televisiva da Mulher-Maravilha, que tinha um enfoque totalmente diferente do filme de 2017, que conquistou grande parte do público por ter uma história madura, atual e de relevância para o mundo dos heróis.

Um ponto importante para observarmos é que o negro passou a ocupar papeis importantes no cinema há pouco tempo. Negros, mesmo tendo destaque, interpretavam personagens em contextos secundários (empregadxs, motoristxs, presxs, escravxs, etc.) e ao dizer isso, não significa que estes filmes não tiveram a devida relevância, longe disso. Entretanto, já está mais do que na hora de sermos representados de forma diferenciada. E isso, é o que de fato incomoda.

Quando Mad Max: Estrada da Fúria (crítica aqui) estreou abocanhou vários prêmios e indicações. Naquele ano não se imaginava que um filme como aquele pudesse obter tanto prestígio, mesmo que suas qualidades técnicas fossem, sem sombra de dúvidas, impecáveis. A trilogia O Senhor dos Aneis também abocanhou vários prêmios e indicações e numa época em que o fantasioso não era tão mainstream como é hoje, foi de certa forma uma surpresa que a saga tivesse tamanho destaque, mesmo sendo, assim como o primeiro exemplo, primoroso em seus quesitos técnicos. 


E assim, apesar das surpresas destes dois filmes (e aqui poderiam ser citados vários e vários), por que estes filmes não foram tão rechaçados à época quanto Pantera Negra o é na atualidade?

Um filme como esse chegar à uma premiação como o Oscar soa quase como um insulto para alguns e mesmo que o filme possua qualidades técnicas o suficientes para ser indicado, mesmo que a história seja deveras original (apesar de seu embasamento nos quadrinhos), mesmo que o elenco esteja afiadíssimo, mesmo que a trilha sonora seja uma das mais bonitas já compostas para um filme, mesmo que… Os mais variados motivos nunca serão suficientes para justificar quando um negro consegue prestígio.

Tudo bem se Infiltrado na Klan ou o péssimo Green Book abocanharem o prêmio, afinal, nas histórias, o negro está exatamente onde ele “deve” estar: no lugar secundário. Em Infiltrado na Klan, vemos a história de Ron Stallworth, um policial negro que encabeçou uma operação para se infiltrar na Klu Klux Klan de modo a sabotar seus crimes de ódio. Ótima história, relevante ao extremo, entretanto, Ron está onde “deve'” estar: ocupando um papel coadjuvante na história, por trás de um branco. Mesmo que no filme tenhamos um dos discursos mais lindos sobre a beleza de ser negro, a história em si nada mais é do que a representação de um negro em uma posição que não era de poder, de fato.


Green Book consegue ser ainda pior: é a história de amizade entre um negro e um branco italiano, contada por um branco. É aquela típica frase de quem diz não ser racista: “não sou racista, tenho até um amigo negro”. A história não emociona e ainda pior, erra em vários pontos ao tentar vitimizar o protagonista branco italiano. Isso sem falar do diretor do longa, inundado de polêmicas…

Portanto, Pantera Negra estar no lugar onde está incomoda. Incomoda ao branco elitista que não pode suportar a ideia de um filme como esse ocupar este tipo de lugar, incomoda o desavisado que pensa que o negro não pode ir tão longe, incomoda o negro comprado pela ideia de que seu papel sempre será secundário e que ele deve se contentar em ser sombra. Mais do que nunca, a indicação desse filme deve sim incomodar e ela deve produzir o diálogo. 


Precisamos escancarar a janela e jogar luz para este racismo velado que existe em nós, que ao nos depararmos com algo que não concordamos julgamos simplesmente como mimimi, mas nunca nos colocamos na posição de questionarmos nossas ações, nos pequenos detalhes. O que é mais desafiador do que a suposta senzala ocupando a casa grande?

E você, o que pensa sobre a indicação de Pantera Negra? 
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