Porém é nessa ambição que o filme encontra uma de suas principais desvantagens. Por conta da opção por uma representação “plana”, reforçada pelo apelo visual, o roteiro acaba se perdendo na falta de uma construção dramática sólida. Sem um clímax bem definido, o engajamento do espectador é prejudicado, atrapalhando, também, o ritmo. É como se o filme todo narrasse o que pretende narrar, mostrasse os episódios da família sob a perspectiva poética do menino mais novo e terminasse sem, em momento algum, conseguir elevar a emoção a um nível adequado de ponto alto. E dessa forma, por vezes, o longa se mostra arrastado demais, com um ritmo que não conquista o espectador da forma proposta.
Mas isso não prejudica, necessariamente, a transmissão das mensagens que o longa busca esboçar. As atuações do elenco principal são muito bem dirigidas por Zagar, trazendo verossimilhança às personagens. Evan Rosado, Isaiah Kristian e Josiah Gabriel injetam uma naturalidade incrível, necessária às atuações infantis, que convence a quem assiste de que são realmente crianças se divertindo, descobrindo o mundo e se sustentando perante os problemas. Ainda mais: conseguem imprimir sensibilidade nas cenas dramáticas. Rosado (que interpreta o principal, Jonah) lida com uma grande carga por precisar transmitir as dúvidas de uma criança que lida com a sexualidade em um mundo opressor e se sai muito bem, entregando-nos uma atuação com os olhos. Raúl Castillo e Sheila Vand completam o elenco principal com uma dramaticidade digna da complexidade emocional que afeta aquela família. Podemos sentir os problemas que atingem o interior de cada um dos personagens, que são, por sinal, muito bem escritos. Agora, um mérito do roteiro.
E toda essa complexidade de conflitos que Zagar busca estudar se fundamenta em uma poética visual muito interessante. Há verdadeiras experimentações da linguagem cinematográfica aqui, como uma mistura de elementos de animação (quando Jonah se isola do mundo e escreve em seu caderno) que são muito bem elaborados, ou mesmo uma subversão bem interessante da passividade da câmera no filme, quando os garotos literalmente pegam-na e a viram para si para retirar a blusa. Os enquadramentos de Zagar são precisos e experimentais, por vezes o diretor busca ângulos confusos para demonstrar um pouco da inserção daqueles personagens em um mundo caótico, este em que vivem. E esses elementos, aliados à uma sensível trilha sonora de Nick Zammuto (da banda Zammuto), compõem momentos de verdadeiro deslumbre imagético. São cenas em que podemos observar e nos delirar com tamanha delicadeza. Porém, uma delicadeza que acaba por se esvaziar justamente por conta da carência dramática que o roteiro não consegue suprir.
Nós, Os Animais é um filme sensível e muito belo, composto por uma gama muito variada de opções estéticas para legitimar as abordagens que o diretor usara. Possui um forte elenco, muito imerso, e uma história sólida para narrar. Porém, acaba por se perder em meio a tantas possibilidades de temáticas e se enfraquece sem uma construção sólida da dramaticidade. Sem contar que, assim como o faz um pouco Moonlight (seu quase “filme-irmão”), toda essa preocupação pelo recurso poético visual acaba por esvaziar o engajamento necessário para se tratar de temas sociais e existenciais tão profundos. É como se, quando mais precisasse se posicionar, o filme preferisse se embelezar. Mas, ainda assim, continua com uma bela força para criar uma narrativa prazerosa e interessante, com imagens que são muito prazerosas de se assistir.
Título Original: We The Animals
Direção: Jeremiah Zagar
Duração: 94 minutos
Elenco: Evan Rosado, Isaiah Kristian, Josiah Gabriel, Raúl Castillo, Sheila Vand
Sinopse: Manny, Joel e Jonah são três irmãos trilhando seus caminhos pela infância. Seus pais possuem um amor volátil, que faz e desfaz a família várias vezes, deixando os garotos por sua conta. Enquanto Manny e Joel vão se endurecendo e se tornando versões de seu pai, o caçula e sonhador Jonah se torna cada vez mais consciente da necessidade de escapar daquele lugar.
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