Crítica: Crepúsculo dos Deuses (1950, de Billy Wilder)


Crepúsculo dos Deuses é um dos maiores dramas já contados pela Era de Ouro de Hollywood. Considerado um dos longas obrigatórios a se assistir na vida, amplamente renomado como fundamental, foi pioneiro em explorar os bastidores da própria Hollywood, numa irônica autoreferência ao círculo do qual faz parte. O lendário cineasta, Billy Wilder (de Sabrina com Audrey Hepburn e Quanto Mais Quente Melhor com Marilyn Monroe), entrega uma fita que não apenas diverte, mas explora os podres nos bastidores e nas ruas dessa “máquina de fazer filmes”, chamada Hollywood. Não por acaso, venceu prêmios do Oscar em Melhor Roteiro Original, Melhor Direção de Arte e Melhor Trilha Sonora Original, além das indicações em diversas categorias, incluindo Filme, Diretor e Atriz.

Impressionante e sagaz a cada cena, já no primeiro take temos o nome original do filme: Sunset Blvd. Trata-se da famosa rua de Los Angeles, onde diversos artistas e famosos moram em suas mansões, há teatros, cinemas, artistas de ruas e outros. É uma avenida nobre que liga à costa de Malibu (com suas lendárias praias), passando pela badalada Beverly Hills, incluindo regiões que percorrem os estúdios de cinema e TV. Qual a razão desta geografia ser importante à crítica? Bem, nesse primeiro take, quando vemos o nome da rua o foco aproxima-se do boeiro de um esgoto. Isto é simbólico, pois torna-se perceptível durante a trama as críticas ácidas que se fazem aos produtores da indústria, às estrelas que se recusam a se apagar e a decadência e excessos que muitas vezes os artistas se encontram. 

O roteiro apresenta-se bastante original e ousado para a época, ainda mais se levarmos em conta que em 1950 trabalhar com cinema era a coisa mais incrível que se podia fazer. Além de ter sido um dos pioneiros em mostrar os bastidores amargos da fama (os filmes Hollywood de 1932 e o primeiro Nasce Uma Estrela de 1937 fizeram isso), Crepúsculo dos Deuses também inova ao ter uma narração póstuma (não é um spoiler muito grande, pois na primeira cena já percebemos isso), recurso raramente utilizado em filmes e livros. Transitando entre o humor e o drama, começamos a acompanhar como o interesseiro Joe Gillis (William Holden) conhece a desequilibrada e decadente atriz do cinema mudo, Norma Desmond (Gloria Swanson). É interessante notar a ambiguidade dos personagens, que não são nem bons nem maus, mas lotados de defeitos e egocentrismos. Joe se aproveita da solidão de Norma, enquanto ela tenta usá-lo como uma conexão com o novo mundo, agora em um cinema falado. 

As atuações do elenco são um show à parte, todos estão fantásticos em cena, nota-se que o diretor extrai o que pode do elenco, tanto em cenas mais sutis onde eles entregam sentimentos somente com o olhar, quanto nas passagens mais explosivas, beirando propositalmente em diálogos e atitudes deliciosamente caricatas. Mas a rainha do baile de máscaras é Gloria Swanson. Poderosa, sua entrega na atuação traz-nos um misto de sensações. Apesar de cômica em alguns momentos devido aos seus excessos, também é ultrajante em outros devido à sua arrogância. Mas há sutis momentos silenciosos, como alguns em frente ao espelho, onde a atriz entrega o íntimo da personagem, uma figura solitária, vazia, deprimida. Uma figura que vive da sombra do passado, dos fantasmas da fama, fazendo constantemente uma ode ao nada. 


E é aí que está a força do filme. Fama não é tudo. Um artista precisa se adaptar com as mudanças do tempo, novos estilos, novas tecnologias. Se o passado for arraigado demais, você ficará lá, esquecido no tempo. E então entra outro fator ambíguo no roteiro: mesmo tentando se adaptar, a indústria é preconceituosa e poderá lhe fechar as portas. Sua beleza juvenil se foi e por isso, para os produtores, seu talento se foi junto. Este jogo de sinuosidades, intrigas e desafetos que o roteiro traz torna o filme uma maliciosa diversão, que carrega uma verdade crítica muito importante. E se isso já acontecia naquele tempo, imagina hoje, com uma indústria cada vez mais artificial? O aclamado Billy Wilder consegue entregar uma obra-prima, que ainda se dá ao luxo de flertar com o suspense estilo noir. Também carrega-se na metalinguagem, com diversas referências e participações de figurões da época, como atores, diretores, produtores e nomes de peso dos estúdios, interpretando-se a si mesmos em sagazes cameos

Visualmente belo, com figurinos e direção de arte primorosos, é um retrato da época a cada frame. Além disso, engenhosos jogos de câmera dão um dinamismo às cenas, sempre muito bem dirigidas e avantes do seu período. Historicamente, Crepúsculo dos Deuses foi o último filme produzido por um grande estúdio de Hollywood a ser realizado com negativos de emulsão de nitrato, um material altamente inflamável. Artisticamente, uma obra que fala sobre a derrocada do cinema mudo, a queda das estrelas esquecidas e a corrosão da moral que o mundo artístico pode trazer. A cena final, extremamente marcante em estética e simbolismo, marcou toda uma geração. É a consagração de uma grande obra que ousou manter sua mensagem até o fim: com ou sem evoluções, com ou sem adaptações, com ou sem críticas em cima dos produtores e artistas; tal qual o cinema, o baile de máscaras também não pode parar. Nunca parou, nem nunca irá.

Título Original: Sunset Blvd.

Direção: Billy Wilder

Duração: 110 minutos

Elenco: Larry J. Blake, William Holden, Gloria Swanson, H.B. Warner, Buster Keaton, Cecil B. DeMille.

Sinopse: Para fugir dos representantes de uma financeira, Joe Gillis (William Holden) se refugia na decadente mansão de Norma Desmond (Gloria Swanson), antiga estrela do cinema mudo. Quando Norma descobre que Joe é roteirista, contrata-o para revisar o roteiro de Salomé, que marcará seu retorno às telas. O filme é insuportável, mas o pagamento é bom e como ele não tem muito o que fazer, aceita. Mas o destino lhe reserva surpresas.

Trailer:

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