Especial Antifascismo: V de Vingança (2006, de James McTeigue)

Lançado em 2006, V de Vingança conta a história de uma Inglaterra governada pelo partido totalitário “Dedo”. Responsável por extermínios, campos de concentração, ataques, abusos de poder e da legitimação de uma específica desigualdade social, o partido e seu símbolo viram sinônimo de terror entre os habitantes, que seguem à risca os ditames colocados, com medo de serem a próxima vítima. Depois de anos de opressão, de forma tão misteriosa quanto os acontecimentos que levaram o líder do partido ao poder, surge uma figura mascarada com o rosto folclórico de Guy Fawkes, que se autointitula “V”, provocando uma série de eventos na tentativa de mobilizar a população contra o governo fascista e despertá-los para a realidade do que está acontecendo, custe o que custar. Evey, uma funcionária de uma rede de televisão, se vê dentro dessa montanha-russa revolucionária causada por V de forma a questionar tanto o próprio governo tanto as ações do herói mascarado. Afinal, qual é o limiar entre heroísmo e terrorismo? Explosões, assassinatos e vingança justificariam uma revolução contra um poder autoritário? 
É uma história que referencia outras histórias, como a história de Guy Fawkes e sua tentativa de explodir o parlamento britânico no dia cinco de novembro, hoje feriado no Reino Unido. Também referencia histórias sobre governos que oprimem seu povo, como 1984 de George Orwell, e histórias de vingança como O Conde de Monte Cristo e Otelo. Essa diversidade de referências fazem de V de Vingança não somente uma obra com certa complexidade, mas também uma junção de sentimentos de várias épocas, sobre as sensações do perigo eminente em um futuro próximo; uma distopia. O controle social é absoluto, e todos aqueles que tentam enfrentar a desenfreada força do sistema são esmagados.


É nesse sentido que a fotografia do filme
joga pesado nos contrastes entre preto e vermelho, em cenas escuras com
sangue jorrando. Os objetos vermelhos carregam todo o simbolismo da
história, como a marca “V” feita nas paredes, assim como o próprio símbolo do partido e todas as palavras com a letra V citadas no filme. O vermelho é o sangue, o ódio, o fogo, a vingança e a revolução. Mas antes de seguirmos certa moda de apontar tudo como uma ideologia comunista, vale ressaltar, e muito, que V de Vingança é inspirado em um quadrinho, escrito por Alan Moore, obra esta que possui os dois pés no anarquismo (conceito que, na forma e prática, difere muito do comunismo). Algumas várias falsas impressões podem ser sanadas se virarmos a marca de V e adicionarmos um traço no meio. O filme, no entanto, vai numa perspectiva de redemocratização, esclarecimento de que sempre devemos tomar cuidado com quem escolhemos para governar aquilo que nos governa, pois, caso contrário, as consequências podem ser muito mais drásticas do que um mero governo ruim. Como diz V em uma das frases mais famosas do longa: “Mas como isso aconteceu? A quem devemos culpar? Bom, certamente alguns são mais culpados do que outros, estes serão devidamente punidos, mas a verdade seja dita, se estão procurando por culpados, vocês deveriam olhar em um espelho. Eu sei porque vocês fizeram isso. Vocês estavam com medo”.


Tudo isso é colocado no filme como uma questão de pânico. Em tempos difíceis, é muito fácil acreditar naqueles que surgem com promessas milagrosas, discursos conservadores que culpam as mudanças morais e sociais como as provocadoras da má situação. O que isso teria a ver com a realidade? Praticamente tudo. A forma como o líder de “Dedo” sobe ao poder é, em muito, similar à ascensão de Hitler. Ambos em um contexto de um grande país em decadência, seja este uma guerra perdida ou uma crise econômica, e a dificuldade da população em ter uma vida estável. Na ascensão desse líder, nos dedos apontados para culpados e fáceis soluções, a construção de um inimigo é feita, e tudo o que for direcionado ao desaparecimento deste será assim feito. Em ambos os casos, campos de concentração foram criados para exterminar opositores, homossexuais, intelectuais e etnias, assim como perseguição no dia a dia e poder sem limites aos membros do partido. As semelhanças com a realidade atual do mundo não são mera coincidência.
Assim, as ações radicais de V, que vão desde explosões de prédios estatais a assassinatos de membros do partido, são colocadas de forma ambígua, rodando de perspectiva entre exageradas e desnecessárias, principalmente aos olhos críticos Evey, que começa a duvidar das ações de ambos os lados. Criamos essa dúvida da natureza benévola ou malévola do personagem mediante a não identidade deste, pois não sabemos exatamente quem ele é e o quer. Por fim, quando nos é revelado todos os seus motivos, temos não apenas o convencimento de Evey como também o nosso. Tudo fora iniciado por uma questão de vingança, em prol de uma pessoa que ele nunca conhecera. Uma atriz chamada Valerie, que em um último ato dentro de um campo de concentração, por ser homossexual, escreveu uma carta contando sua história e transbordando de amor ao próximo, independente de quem estivesse lendo seu pequeno pedaço de autobiografia, o amor está em todo lugar, como gotas na chuva. V foi o resultado da própria tirania de Dedo, nascera de experimentos científicos no campo de concentração, estes chocadamente inspirados nos reais experimentos de Joseph Mengel, o médico nazista. Sem gênero, sem identidade, vazio por dentro e por fora a não ser o número romano de sua cela e o desejo de vingança, V torna-se tão humano quanto qualquer um de nós, como uma mulher que enfrenta as violências e abusos de todos os dias, de todos os LGBTTQI+ expulsos de casa, torturados em plena luz do dia, pelos negros que sofrem de uma mesma história que seus antepassados, colocados em situações desfavorecidas e desumanas. V não possui identidade, pois V é cada um deles, cada um de nós que um dia já teve medo de ser quem é, ou de lutar pela igualdade, mostrando a Evey pelo que devemos lutar, independente da situação, independente do nosso medo.


É aquele tipo de cena que faz quem assiste chorar ou mesmo até querer virar o próprio V. Um sentimento de compreensão de que os menores atos feitos por qualquer pessoa podem transformar toda a realidade do presente, e é engraçado ver que, nos últimos doze anos, a máscara
branca, de sorriso marcante e bigode estiloso, como também frases do filme, povoaram e povoam
grande parte das manifestações contra diversos governos ao redor do
globo, como Occupy Wall Street, a “primavera árabe” e as manifestações de junho de 2013, entre outras várias.


V de Vingança consegue representar uma realidade além-tela que até causa medo. Reflete seguimentos cegos e gritos de raiva de populações amedrontadas que seguem discursos promissores, mas ardilosos por dentro. Refletem o silenciamento daqueles que, também por medo, silenciam-se perante as injustiças e atrocidades, assim como o reflete o silenciamento daqueles que tiveram a ousadia de lutar contra o que estava acontecendo. No filme, temos o surgimento de um super-herói mascarado que visa acordar todos aqueles que ainda estão no sono do totalitarismo, mas na vida real é algo que precisamos fazer por nós mesmos. Independente do quanto demore ou mesmo do quão difícil seja essa tarefa, há um diálogo do filme que representa muito todo o sentimento da história e os tempos atuais nos trazem: “por baixo desta máscara não há só carne, por trás dessa máscara há uma ideia, Sr. Creedy, e ideias são à prova de balas”. E não importa o que aconteça, sempre serão.

Título Original:V for Vendetta

Diretor: James McTeigue

Elenco: Hugo Weaving, Natalie Portman, Stephen Rea e Stephen Fry

Sinopse: Em
uma Inglaterra dominada por um partido totalitário, o “Dedo”, Eeve é
salva de um ataque por um homem mascarado que se autodenomina V. Com
falas poéticas e um singular senso de liberdade, V a coloca em uma
montanha-russa revolucionária na busca por justiça e pela liberdade do
país, mesmo que isso signifique passar por todos aqueles que estiverem
no caminho.

TRAILER:

BÔNUS: Carta da Valerie, para sentirmos um pouco de amor em tempos tenebrosos


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