A Equipe do Blog Comenta: The Handmaid’s Tale – 2ª temporada (2018, de Bruce Miller)

O
objetivo dessa crítica é comentar o desenrolar da segunda temporada e
manter o diálogo presente na série para além de uma história de ficção. Para isso,
antes de tudo, é importante ressaltar alguns recortes que posicionam os autores desta crítica como homens comentando uma série que aborda, principalmente, temas de disparidade de gênero e feminismo. Embora haja um nível de empatia geral ao qual a série consegue alcançar, em alguns casos até com maestria, ainda existem pontos e nuances que não conseguiríamos alcançar nas mesmas propriedades e profundidades que uma mulher teria com o mesmo tema. De tal forma, alguns membros da equipe que acompanham a série fizeram alguns comentários sobre a temporada.

Igor Motta Gil comenta:

A segunda temporada de The Handmaid`s Tale deixou certa ambiguidade no ar. Depois do sucesso que fora a primeira temporada, numa enxurrada de premiações no Emmy, aceitação de público e afins, a temporada seguinte possuía duas missões bem complicadas: manter o nível do enredo, que agora não mais possui um livro para se basear e manter o nível da produção, como um todo visto o sucesso da temporada anterior. Facilita quando a própria autora do livro base do enredo, Margaret Atwood, faz parte da produção da série (inclusive sendo condição da autora para vender os direitos televisivos da história), mas encontramos alguns pontos no caminho que fazem da segunda temporada ao mesmo tempo uma queda e uma ascensão.

Como ascensão, fica claro a manutenção do nível de produção da série. Os cuidados de estudar toda a trilha colocada que dialoga completamente com as cenas e temas dos episódios, não é uma mera casualidade que logo no primeiro episódio a cena ao som de “This Woman’s Work” já deixou muita gente atordoada. A paleta de cores que evidenciam o azul e vermelho ainda é incrível, claro sinal de que todo o figurino da série não é meramente colocado, é simbólico e contrastante, principalmente entre as aias e as esposas dos comandantes. Não somente, toda a construção de cena é feita de forma a incorporar no todo, sendo estudada e construída para os detalhes não serem coisas jogadas.

Também, a expansão do universo de Gilead nos ajuda no entendimento de como o sistema funciona e como este é aterrorizante. Fomos apresentados às “econopeople”, às colônias, assim como outros comandantes e suas formas de manter as estruturas de Gilead de pé. No geral, fica claro que essa expansão teve o dedo, se não a mão toda, de Margaret Atwood, visto a manutenção da lógica do universo exposto em seu livro. Os adicionais fazem sentido, não parecem fora do cânone da autora. Ainda, a atuação do elenco é fantástica. A escolha dos atores para cada personagem fora certeira e a cada episódio mais recompensadora, especialmente Elizabeth Moss no papel de June, Yvonne Strahovski no papel de Serena Joy e Alexis Bledel como Emily (personagem que mais me cativa). 

Como queda, colocaria a certa “perdida” no roteiro. Parece que no objetivo de expandir o universo, sendo necessário colocar um personagem numa posição em que sua presença no espaço em questão faça sentido, geraram uma dinâmica cansativa. A personagem de June passa por um ciclo de fuga e aprisionamento, que lembra aquela brincadeira “vivo ou morto”.  Algumas formas de expressar a indecisão das personagens por conta de acontecimentos ali presentes poderiam ter sido feitas de forma a não gerar uma sensação cíclica. A relação entre June e Serena que o diga.

Como ponto neutro, é necessário colocar o foco nos personagens vivendo no Canadá. Concordo que a ideia fosse, talvez, mostrar que estes ficaram acomodados com a situação fora de Gilead e parecem ter apenas aceitado a ideia de que entes queridos sofreram ou ainda sofrem nas mãos da ditadura, mas acho que isso foi demonstrado até demais. O rumo dessa parte da história ficou um pouco jogado, deixando muita coisa para a terceira temporada. Passou uma ideia, mas poderia ter passado muito mais.



Apontaria, como ponto de “alerta”, as cenas de violência. The Handmaid`s Tale possui uma proposta de chocar pelo “excesso de realidade”. Na primeira temporada isso ficou bem nítido (e muito bem executado). Na segunda já ocorreram alguns exageros, abrindo espaço para o questionamento da real necessidade de tais cenas. Estupros, mutilações, execuções, enforcamentos, torturas físicas e psicológicas… o escopo de exemplos não termina por aqui. Tudo isso faz com que a série seja quase um desafio para quem assiste, necessitando certo estômago e estabilidade emocional para ir até o fim, em especial o episódio dez dessa temporada (digno até de um tweet de Elizabeth Moss alertando os fãs sobre a densidade do episódio). Tal “excesso” dispara o alarme de se toda essa violência é realmente necessária para demonstrar a violência diária que todas as mulheres sofrem e ocasionar algum tipo de esclarecimento àqueles que acompanham a série. Conheço inúmeras pessoas que abandonaram a série depois desse famigerado episódio, inclusive até algumas mulheres críticas de cinema/TV que passaram a classificar “The Handmaid`s Tale” como um “torture porn” (pornô de tortura).

Por fim, o sentimento de opressão e revolta ao longo da primeira e da segunda temporada são elementos sensacionais que podem muito bem virar instrumentos de enrolação e até tirar a força da série, se não usados corretamente. Na primeira temporada, conseguimos até entrar em pânico com a claustrofobia de June vivendo no sistema teocrático de Gilead e como qualquer forma de resistência parece inútil. Já na segunda temporada, temos mais cenas de resistência e revolta, colocando em cheque a supremacia do sistema. Isso fica até bem claro na forma como terminou a temporada. Uma pontinha de esperança nos foi dada em meio ao caos.

Nesse ritmo, pode ser que uma terceira (e espero que última) temporada seja o estopim para aqueles que não mais irão suportar as tiranias de Gilead e com isso iniciem uma revolução, seja qual for o resultado dela.

Matheus Pestana comenta:

The Handmaid’s Tale surge em sua segunda parte como um ato de libertação em meio à desesperança. Ao contrário de sua primeira temporada, que manteve-se fiel ao livro homônimo de Margaret Atwood, a série toma como seus principais veículos, a representação das frustrações pela liberdade e as imposições violentas vividas por June (Elizabeth Moss), nossa protagonista, em permeio à República de Gilead. A segunda parte dessa história nos entrega uma visão mais ampla das camadas da sociedade, em que a protagonista se vê refém.



A segunda temporada toma a liberdade em dar voz e profundidade ao universo criado no livro. Durante alguns episódios, somos introduzidos a personagens singulares que fazem parte das classes sociais mais baixas da república. A voz é entregue a essas personagens, que tornam a série mais profunda e próxima de quem assiste. Exemplo disso é a personagem Eden (Sydney Sweeney), que caracteriza as crianças de Gilead; treinadas para servir fielmente à república e desempenhar seu papel na sociedade de acordo com seu gênero e classe validado pela religião.
 


Em alguns momentos vemos algumas personagens que compõem essa sociedade rebelar-se contra algumas regras e punições. A personagem Serena (Yvonne Strahovski), tem seu passado revelado; tendo sido uma mulher ativa e com voz, mas em sua realidade atual é diminuída e silenciada para que consiga manter a sua postura de mulher fiel. Suas escolhas fazem parte de grandes decisões da temporada e sua personagem revela não ser totalmente cega às brutalidades de Gilead. Outra personagem em destaque é Emily (Alexis Bledel), que se apresenta cada vez mais vazia em recorrência ao trauma da violência que viveu e a saudade de sua liberdade e família, tornando-a frígida em certos momentos.



June tem em muitos momentos da série sua busca pela liberdade colocada sob a perspectiva da segurança de suas filhas. Durante a temporada, temos como o foco a segurança de quem ela ama e o trauma de perder mais pessoas como consequência de seus atos. A série demonstra a resistência de modo sutil; uma estação de rádio que ainda toca músicas sem censura, a rede das Marthas que ajuda June, ou Eden, que ainda mantem uma bíblia escondida, mesmo que não seja permitido ler. A segunda temporada não desenvolve um grito feminista, mas sim alguns sussurros de guerra que contaminam até mesmo aqueles que apoiavam a brutal Gilead. A série não se baseia em cenas agitadas, mas sim na ideia e no desejo de mudança das personagens e promete em sua terceira parte a prezada e desenvolvida resistência de June. 

Matheus Valencia comenta:

Antes de apontar todos os pontos positivos e negativos que serão expostos aqui, ainda que os negativos se limitem à uma nula porcentagem de toda a obra, precisamos deixar claro que Elizabeth Moss se tornou, ao decorrer de um processo árduo de interpretações, um símbolo para o espaço conquistado hoje pelas mulheres na indústria do audiovisual, é claro que o tema que The Handmaid’s Tale entrega, favorece esse mérito já que, provavelmente nunca antes, a supressão dos direitos do ser foi escrita, encenada e captada de forma tão densa e cruel. A série, desde sua primeira temporada, é um verdadeiro teste para cardíacos e pro público de coração mais amolecido, carregando momentos repletos de um ódio prematuro que estava apenas desabrochando, até que a segunda parte desta história chegasse, dando à flor já em formação a revelação de esconder também esperança, e é a partir desse sentimento puro de que não só os homens, mas todo o sistema que rege Gilead, possam perceber seus erros e dar fim ao sofrimento.

Porém, dramas funcionais não são forjados nas vontades e delírios do público que os acompanha, nesse ponto, o que transforma a série em algo novo enquanto caminha em território de hostis improbabilidades é o seu completo desapego referente ao livro que lhe deu origem, toda sua história já foi contada, e todas as ações e reações ocasionadas após June entrar naquele caminhão são de uma completa surpresa ao público em geral, e sobre surpresa, podemos listar diversos nomes que retornam a seus personagens majestosamente trazendo um ar mais nebuloso para seus papéis, entre eles: Joseph Fiennes como Frank, o comandante que se mostra cada vez mais impiedoso, Max Minghella, leal segurança que também se mantém leal a seu amor por June; Alexis Bledel e seu drama por interpretar uma Ofglen em território hostil, literalmente falando, e por fim, mas não menos importante, Samira Willey, como Moira, e Yvonne Strzechowski como Serena Joy, ambas exemplos de força pelos seus ideais.

O que mais agrada nesta segunda temporada é a continuidade de sua essência, a fama não levou a decadência da arte e sim sua propulsão a novos horizontes, com cenas memoráveis embaladas numa fotografia onde todos os elogios já devem ser dados com antecedência, The Handmaid’s Tale volta renovada, estilizada, mais vermelha e mais sombria, margeada de revolta e medo, inundada por esperança e alegria notável nos breves momentos de efemeridade da série, uma salva de palmas ao elenco e aos profissionais que atuaram em toda produção levando às nossas telas um futuro distópico, que, sejamos sinceros, não estaria tão longe de se tornar real.

Título Original: The Handmaid`s Tale


Direção: Bruce Miller


Elenco: Elisabeth Moss, Yvone Srtzechowski, Samira Wiley, Alexis Bledel e Mas Minghella

Sinopse: Em um futuro próximo, em que o nível de infertilidade da humanidade alcançou níveis alarmantes, os Estados Unidos sofre um golpe de Estado, dando lugar à ditadura teocrática de Gilead. Todos aqueles que não seguem os ditames impostos são assassinados e todas as mulheres férteis são colocadas como aias no intuito de engravidar. June Osbourne, antes editora de uma revista acadêmica, agora é obrigada sobreviver como aia de um dos comandantes de Gilead, enquanto luta para reencontrar sua filha.
TRAILER:
 
Nolite te bastardes carborundorum, bitches!

Deixe uma resposta