Crítica: A Datilógrafa (2013, de Régis Roinsard)

Não morro de amores por comédias românticas e isso não é nenhuma surpresa. Volta e meia até surge algo que me arranca algumas risadas, mas o padrão formulaico que os filmes apresentam me irritam. Não inovam, sempre trazem mais do mesmo. Quem diria então, que uma comédia romântica francesa seria uma das melhores surpresas da sétima do ano de 2013? A Datilógrafa surgiu no festival francês Varilux. Alguns comparam o filme ao ótimo O Artista, o grande vencedor do Oscar 2012. Lógico que este filme aqui não tem o poder lírico e a metalinguagem fílmica, intelectual e nostálgica de O Artista, mas é uma obra deliciosa.

A trama começa entre 1958/1959; com a doce (e às vezes irritada) Rose Pamphyle, que trabalha na pequena mercearia de seu retrógrado pai. Seu destino seria o mesmo de quase todas mulheres da época: casar, ter filhos e ser dona de casa (aquele velho conceito machista de mulheres pilotando fogão). Mas esta garota na qual ninguém daria nada tem uma habilidade: datilografar rápido. Assim ela consegue o emprego dos sonhos, ousado e que estava na moda na época: secretária. Seu chefe, Louis, é um homem com alguns problemas pessoais, focando em superar todo tipo de esporte ou competição. E é em Rose que ele concentra suas energias numa nova investida: treiná-la para ganhar o mundial de datilografia. Entre muitas brigas e cenas sutilmente engraçadas, o filme assume um ar romântico que consegue fugir dos lugares comuns e se renovar.


A atuação da talentosa (e gracinha) Déborah François é muito boa. Nada que chegue ao Oscar, mas é realmente satisfatória. Sua Rose é engraçada sem fazer esforço e carismática ao natural. Romain Duris entrega um Louis sisudo, chato e por vezes irritante. Sua atuação é boa e convincente. No restante, o elenco é aceitável, afinal o filme foca nos dois em questão. O clima e a química deles é crível e agradará quem gosta de romance. Como este não é meu forte, poderia ter sido um tiro no pé. Mas há algo mais, que deixa o filme mais degustante. Na verdade é uma série de elementos que o tornaram mágico para mim.


Primeiramente, a década de 50 foi muito bem reconstruída. Quando assisto filmes de época, tento observar tudo para ver se está em ordem e de fácil aceitação. E aqui está!  Os penteados, o comportamento, as peças do figurino, os carros e a mobília dos interiores. Tudo perfeitinho, sem nunca extrapolar e chamar atenção demais. A trilha sonora francesa da época é incrível, nos transportando ainda mais para dentro do universo proposto. O pessoal da edição de som fez um trabalho de mestre na hora de fazer os efeitos das máquinas de datilografar. Nas competições, aquelas grandes salas ficam tomadas por som de digitação. É um barulho alto e mostrou o anelo com que a equipe de todas áreas da obra tiveram.


Aliás, a direção de Régis Roinsard é segura e competente. Não há uma cena que não seja bem executada ou filmada. Tudo no lugar correto e na hora correta. Tanto nas piadas como no romance, o diretor evita o excesso e entrega tudo de maneira humilde. Até a cena de amor entre o casal é bonita e simples.  Sem exageros ou tentando chocar. As piadas são leves e deliciosamente maliciosas em alguns momentos. Um filme para se ver com a família numa boa, sem deixar de ter seu lado cult. O roteiro redondinho não inova, e talvez fique aquela impressão de que podiam ter ousado mais. Mas eu amei ver esta produção tão simples e direta. Às vezes algo simples é tudo de que precisamos.

A Datilógrafa ainda me encantou por outra razão: seu lado histórico. Já comentei sobre as mulheres na época. Rose é avançada, quer conhecer o mundo e fazer coisas que não poderia uma década atrás. Ela é rude com algum homem se preciso (algo horrível de uma moça fazer na época). Outro fator interessante é o progresso da criação e customização das máquinas de escrever. Para adaptarem-se às rápidas e progressistas mulheres datilógrafas, as empresas foram aperfeiçoando as máquinas. Mulheres secretárias, escrevendo rápido e influenciando fábricas. Algo inovador. Mais inovador é esta humilde francesinha ir para o campeonato mundial encarando países à frente, como Estados Unidos. E por fim ainda digo que o filme faz uma ligação com nosso dias. Rose diz em certa parte: “eu acho apenas que a velocidade é um sinal do progresso. Um dia o mundo será cheio de teclados.” Esta é uma pequena alusão ao momento em que nos encontramos, com teclados por todo lado, fazendo ligações de todo tipo de cultura e pessoas. Uma bela junção de metáfora com lógica avançada.


A Datilógrafa é assim: simples, alegre, divertido e com seus momentos visionários. Um ar novo, refrigera quem procura uma produção classe A que foge do costumeiro. Sem falar que sempre é ótimo ver algo do berço da sétima arte: “La France”. Altamente recomendado para cinéfilos de plantão e pessoas com um gosto mais apurado; um filme extremamente charmoso. Me arrancou risos singelos e simples sem muito esforço. Uma pequena pérola que passará despercebida para a maioria. Por fim fica a vontade de cada um encontrar seu caminho, seja com um chato competitivo ou até mesmo uma Rose, vestida de rosa, com sua antiga máquina de datilografar. O maior dos prêmios é simplesmente conquistar a vida.
Título Original: Populaire

Direção: Régis Roinsard

Elenco: Romain Duris, Déborah François, Bérénice Bejo, Shaun Benson, Mélanie Bernier, Miou-Miou, Eddy Mitchell, Nicolas Bedos, Frédéric Pierrot, Marius Colucci.

Sinopse: Aos 21 anos de idade, Rose Pamphyle mora com seu pai e estar prestes a casar com o pacífico filho de um garagista. Ela poderia virar uma dona de casa, mas a jovem tem planos mais ambiciosos. Ela sai de sua cidade e tenta um emprego de datilógrafa no escritório de seguros de Louis. Mesmo se suas habilidades como secretária são fraquíssimas, o homem fica impressionado com a velocidade com a qual Rose consegue digitar. Logo o espírito competidor de Louis se desperta: ele decide aceitar Rose como sua secretária, contanto que ela treine para participar da competição de datilógrafa mais rápida do país.

Trailer: 


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