Crítica: Cinema Paradiso (1988, de Giuseppe Tornatore) – O Cinema é um Sonho!

Uma vida e um amor pelo cinema

A jornada de quem ama o cinema é peculiar. O cinéfilo que vos escreve nunca parou para ver alguns filmes tidos como “obrigatórios” para quem ama a sétima arte. Mas é algo que estou consertando recentemente. E nesta dita jornada, em certo momento, finalmente cheguei a Cinema Paradiso, tido como um dos grandes longas de todos os tempos. Alcançou status impecável e normalmente é lembrado em listas como: os melhores de todos os tempos, os mais emocionantes de  todos os tempos, melhores trilhas sonoras de todos os tempos, finais mais belos de todos os tempos, e por aí vai. Também foi o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, representando a Itália na edição de 1990 da cerimônia. 


Obviamente, tal status gera uma alta expectativa, o que por vezes é ruim. Mas aqui ocorreu o contrário, pois a obra provou-se melhor do que o imaginado. O filme me pegou totalmente despreparado, uma vez que de certa forma, toca diretamente em ocasiões da vida, o que também deverá ocorrer com a grande maioria que der uma chance a esta preciosidade. Entrou facilmente na minha lista de filmes favoritos, possivelmente o mais belo que já vi. Por isso, sempre o revisito quando posso, pois além de um filme, é uma experiência sensorial e emocional a ser vivida. 



A sinopse e o roteiro, numa primeira instância, são particularmente simples: numa Itália derrotada no pós Segunda Guerra Mundial, a única coisa boa de uma pequena cidade é seu velho cinema, o Cinema Paradiso. Sob os olhos do humilde menino Totó, vemos o encanto da criança pela magia do cinema. Conhecemos personagens hilários e cativantes, além de acompanhar a amizade de Totó com Alfredo, o senhor projecionista do cinema. Logo, o garoto aprende o ofício, e conforme os anos passam, acompanhamos seu amadurecimento, o primeiro amor, as dificuldades da vida; enquanto vemos certa evolução nas salas de cinema, ao mesmo tempo em que mostra-se como o mundo moderno “matou” o cinema antigo, perdendo-se aquela magia de outrora. 


Esta trama, aparentemente simples, guarda em suas entrelinhas uma infinidade de lições morais e mensagens, que é impossível citar todas. Impossível também, é não ser atingido por algumas das questões lançadas, uma vez que o filme atinge nosso íntimo, vai fundo no âmago, recordando-nos as lembranças do passado e dos tempos de infância. 

As personagens são desenhadas tão bem, com tamanha destreza, que  não enxergamos personagens, mas pessoas reais, que tem os filmes como válvula de escape da vida cotidiana. E isso torna fácil a identificação de nós, cinéfilos, com a obra. Esta maestria do roteiro torna tudo tão palpável, tão real, que o filme dialoga não somente com os amantes do cinema, mas também com o grande público não tão fascinado por cinema assim. Há um ditado que salienta que menos é mais e este filme aqui é a personificação gravada e fílmica disto. E nesta simplicidade, habita a preciosidade do filme, tornando-o um poderoso triunfo. 


O menino Totó é incrivelmente atuado por: Salvatore Cascio na fase criança, com uma doçura e inocência única; Marco Leonardi na fase jovem, com um olhar apaixonado e sonhador; e por último Jacques Perrin na fase adulta, com um Totó maduro e triste. O veterano Philippe Noiret (do também maravilhoso O Carteiro e o Poeta) entrega um Alfredo cheio de camadas, nota-se através das expressões e diálogos, uma personagem frustrada de não ter tomado um rumo diferente (possivelmente como cineasta), mas que ainda mantém viva a paixão pelo cinema. Outro ponto alto do roteiro é saber explorar os sentimentos destas personagens sem ser explícito demais, onde acabamos deduzindo vários detalhes que não são esclarecidamente falados, mas sutilmente sentidos, como a frustração de Alfredo de não ter seguido a carreira como cineasta, ficando preso na pequena cidade e trabalhando no cinema local. Ou o fato de Totó ser triste quando adulto, mesmo trabalhando com cinema. Pois cinema é um sonho, e um sonho não é necessariamente a vida. Note que quando criança existe um brilho implacável em seus olhos, tal brilho começa a se dispersar na adolescência e já não existe mais quando adulto e amargurado. Tal brilho é um elemento narrativo importante, resgatado lá pelo final do filme.




Tecnicamente, a obra é isenta e nem precisa de efeitos especiais. Sendo assim, temos uma fotografia belíssima que privilegia paisagens naturais da Itália. A direção de arte e figurino conseguem reconstruir a época decentemente, sem grandes luxos, já que estamos falando de personagens humildes de uma era ainda marcada pela guerra. Então chegamos no grande ponto alto da produção, a trilha sonora. O gênio Ennio Morricone (se você não sabe quem é, pare tudo, pesquise sobre e volte depois) entrega sua mais bela e melancólica melodia. A trilha sonora é de uma delicadeza única, entregando faixas emocionantes, que intensificam os momentos mais emotivos do filme. Ela, por si só, atua quase que como uma triste personagem, nos impulsionando ao choro. 
A direção de Giuseppe Tornatore faz um belo trabalho em nos levar nesta jornada por duas horas, onde momento nenhum o ritmo cai. A todo instante há algo importante acontecendo, muitas vezes representados de maneira lúdica, como que uma personificação dos corações sonhadores. Na fase jovem de Totó, o mesmo aprofunda suas técnicas sobre cinema, entrando no caminho para se tornar um cineasta. Tornatore assim introduz um pouco de sua própria história, uma vez em que ele se inspirou na sua própria infância e crescimento como cineasta. Mas abrangendo mais do que isso, Totó representa cada cinéfilo, cada pessoa que vive a vida com a referência e o encanto pelo cinema.


Cinema Paradiso é uma das mais belas obras do cinema de todos os tempos. Machuca o coração, e logo após, o reconforta, como que fosse um longo, quente e apertado abraço de alguém amado. A cena final, uma das mais belas já filmadas, exemplifica isso. De maneira poética, traduz todos sentimentos que estavam presos no nosso protagonista. Tais sentimentos abrangem mais ainda, servindo como uma carta de amor ao próprio cinema, ao imaginário, aos cinéfilos.


E enquanto vemos sentimentos aflorar à pele, também lembramos da nossa própria vida, e isso deixa-nos com um nó na garganta. A nossa vida é feliz hoje, como um dia imaginamos? O que nos fez mudar, formou nosso caráter? Como cinéfilos, que espelhamos acontecimentos da vida com os filmes que assistimos, como isso nos afeta? Por que deixamos coisas no passado? E por que havemos de retornar? Deixar para trás é necessário, mas retornar é fundamental. Imaginamos como seria em outros tempos, outra vida, em uma pequena cidade, amigos de infância, lembranças de uma velha casa, um velho amor, um velho cinema. São lembranças e saudades de uma vida que já foi, de um amor perdido, de tempos que já não voltam mais. E ao cruzar a jornada de volta, tudo mudou, mas muita coisa ainda está lá. E assim, o que já se foi fica lá no passado, nas lembranças, que acabam tornando-se um sonho, assim como o amor pelo cinema.





Título Original: Nuovo Cinema Paradiso

Direção: Giuseppe Tornatore


Duração: 124 minutos

Elenco: Philippe Noiret, Salvatore Cascio, Jacques Perrin, Marco Leonardi, Agnese Nano, Enzo Cannavale, Leopoldo Trieste, Antonella Attili, Tano Cimarosa.



Sinopse: nos anos que antecederam a chegada da televisão (logo depois do final da Segunda Guerra Mundial), em uma pequena cidade da Sicília o garoto Toto (Salvatore Cascio) ficou hipnotizado pelo cinema local e procurou travar amizade com Alfredo (Philippe Noiret), o projecionista que se irritava com certa facilidade, mas parelamente tinha um enorme coração. Todos estes acontecimentos chegam em forma de lembrança, quando agora Toto (Jacques Perrin) cresceu e se tornou um cineasta de sucesso, que recorda-se da sua infância quando recebe a notícia de que Alfredo tinha falecido.



Trailer especial do aniversário de 25 anos do filme: 



Bônus – Trilha sonora tema do filme, ao vivo em Veneza, apresentada por Ennio Morricone e orquestra:

Uma das mais belas trilhas sonoras de todos os tempos.





Galeria de imagens:



  

E você, amado cinéfilo, já viu esta obra-prima emocionante? Se sim, o que achou? Se não, está esperando o quê? Este é obrigatório para amantes do cinema 😉

Deixe uma resposta