Documentário ou ficção? Diante de atuações tão naturais e espontâneas que se mesclam, por vezes, com uma estética de documentário e uma montagem fluida, fica difícil responder a essa questão, ainda mais quando sabemos que Vermelho Russo é baseado em fatos reais. E interpretado por atores que os viveram, de fato. Assim, ao dar voz à pergunta elaborada por Stanislavski – como me tornar outra pessoa continuando a ser eu mesmo? – o filme reflete sobre os limites entre a arte e a vida, entre o ator e seu personagem, deixando-nos confusos sobre o que é real e o que é ficção.
No filme, as melhores amigas Manu e Marta saem do Brasil para participar de um curso para atores durante um mês na Rússia, e durante esse período acabam se envolvendo em uma rede de vaidades, máscaras e ambições. Essa história é interpretada pelas atrizes que viveram, de fato, esses acontecimentos, Marta Nowill – que também assina o roteiro –, e Maria Manoella, além de outros atores que interpretam também a si mesmos. E não só atores encarnam suas próprias máscaras e interpretam atuações, mas também o diretor, Charly Braun, dirige atores dirigindo, como o professor de teatro da escola russa.
A tempestade que acompanha a viagem de Marta e Manu à Rússia e o belo nascer do sol que se segue não fazem suspense: haverá desentendimentos, mas tudo terminará bem. Assim, Vermelho Russo não se pretende misterioso ou cheio de grandes surpresas. O filme, pelo contrário, acompanha o ritmo da vida cotidiana, dos acontecimentos que ficam e daqueles que simplesmente passam, refletindo, assim, sobre a arte da atuação, do teatro e, também, da vida.
Vermelho Russo se indaga a respeito da diferença entre a interpretação do dia a dia e a interpretação de um ator. Um dos personagens do filme defende que o ator é aquele que vive outras vidas e outros destinos; é aquele que é outro, ainda que sendo ele mesmo. Nesse exercício metalinguístico, a famosa atriz portuguesa Soraia Chaves revela que resolveu fazer um curso de teatro em outro país para buscar inspiração e tentar se livrar da imagem de mulher fatal que a perseguiu durante toda a sua carreira. Soraia diz que as características dessa personagem foram absorvidas por ela própria, a ponto de haver uma confusão entre a artista e a pessoa.
No filme também aparece a metalinguagem da própria vida a partir de uma reflexão sobre as máscaras que utilizamos no dia a dia. As máscaras encarnadas por Manu e Marta não necessariamente correspondem a quem elas são, e acabam deixando as coisas confusas entre as duas. Nesse jogo de máscaras, segredos e revelações, Marta e Manu se desconhecem e se desencontram ao enxergar apenas a imagem que está diante de si, sem se aprofundar.
Mas essas questões filosóficas não deixam Vermelho Russo pesado. Pelo contrário: o filme trata o tema com muita leveza e bom humor. O espectador não se dá conta de que está diante de indagações tão complexas, pois tudo é abordado de uma maneira natural e espontânea, sem pretensões intelectuais. Desse modo, o filme é daqueles que não faz grandes promessas, mas acaba nos surpreendendo.
Título Original: Vermelho Russo
Direção: Charly Braun
Elenco: Marta Nowill, Maria Manoela e Michel Melamed
Sinopse: Marta e Manu são duas jovens atrizes em crise com a profissão. A fim de se reinventar, decidem encarar o inverno russo para se aprofundar na famosa técnica Stanislavski de interpretação. Entre nevascas, brigas, paixões e muitos litros de vodka, suas personagens acabam por extrapolar os limites da cena e da amizade, fazendo com que sejam constantemente testadas pelo rigor do teatro e uma Rússia majestosa e difícil.
Deixe seu comentário!