Crítica: Mulheres do Século 20 (2016, de Mike Mills)


Há vários anos nós temos acompanhado loucuras e mais loucuras seguidas da academia (Reese Whiterspoon ganhando Melhor Atriz por sua performance em Johnny e June, Crash – Sem Limites vencendo Melhor Filme, Babel sendo indicado a inúmeras categorias), mas a injustiça que aconteceu com esse filme surpreende. Em primeiro lugar: foram 9 indicados e até 10 poderiam estar na lista. Em segundo lugar: 20th Century Women é superior à maioria dos filmes indicados. Pelo menos o filme foi lembrado na categoria de Melhor Roteiro, se isso serve de consolo.

O filme é dirigido por Mike Mills, e a direção não chama a atenção, embora seja competente. Há alguns recursos usados várias vezes (o zoom-in que adentra ambientes, por exemplo), mas o diretor não parece ter uma mão pesada. Mas ele tem um controle perfeito da história que quer contar (Mills também escreveu o roteiro), e a conta impecavelmente. Mesmo assim, há alguns momentos muito bons, como quando o diretor usa um filtro colorido na cena em que Jamie está indo para Los Angeles com seu colega, o que evoca a psicodelia da época em que o filme se passa.

O roteiro – única indicação ao Oscar que o filme recebeu. Tsc, tsc… – é brilhante. Ele é com a mesma intensidade engraçado e tocante, e isso não é nada fácil de se fazer. Trata sobre crescimento, amadurecimento, chegada à terceira idade, criação, juventude, entre outras coisas. É um roteiro muito bem organizado, as narrações que contam histórias sobre os personagens são introduzidas em momentos perfeitos, nunca fora de hora. Há algumas cenas memoráveis aqui, como quando Jamie vai a um clube noturno junto com Abbie e ela tenta o ensinar como conquistar uma mulher ou o que Dorothea fala sobre não poder ver seu filho nas ruas, sendo uma pessoa normal, algo que Abbie poderá fazer inúmeras vezes. Isso é algo que me tocou profundamente.

A relação de Dorothea com Jamie merece um parágrafo à parte. A maneira com que ela cria seu filho é muito interessante – isso é mostrado em uma sequência perto do começo do filme -, e os dois parecem ter uma relação muito boa, mas, em certo ponto, ele começa a desafiar a mãe e isso traz uma instabilidade na relação entre os dois. A mãe, obviamente, se mostra a todo momento preocupada com o filho, mas você sente que ela acha que errou em algum momento na criação de Jamie. O garoto, por sua vez, tenta se afastar cada vez mais da mãe, apesar de também mostrar que, apesar de tudo, ele também ama sua mãe. É engraçado também notar que o hobby de mãe e filho é fazer ações, assim como vários pais e filhos tem como hobby o futebol ou jogar video game, por exemplo.

A atuação de Annette Bening é arrebatadora. A atriz consegue passar perfeitamente toda a insegurança de sua personagem, você sente na voz e nos gestuais dela que Dorothea está sofrendo, mas ao mesmo tempo aproveitando os últimos anos que terá seu filho em casa e sob seu cuidado. Todas as cenas de Bening são impecavelmente atuadas, e eu acho que ela merecia uma indicação a Melhor Atriz no prêmio da Academia. Outro que poderia perfeitamente ser indicado é Lucas Jade Zumann, que consegue passar perfeitamente a energia de um adolescente mas ao mesmo tempo a falta de uma figura masculina para ter as conversas que pai e filho sempre tem em algum momento. Querendo ou não, é muito estranho – não só para o personagem, mas para qualquer pessoa – conversar com sua mãe sobre dar prazer a uma mulher (assim como eu tenho certeza que é para uma mulher falar sobre dar prazer a um homem com seu pai). A performance de Zumann é impressionantemente segura e precisa, o ator parece não ter tido dificuldades para achar o personagem.


O elenco todo do filme é sensacional, mas tirando Bening e Zumann há duas atrizes que se destacam: Greta Gerwig (que também deveria ter sido lembrada no Oscar), que está brilhante como uma figura mais velha que tenta mostrar as coisas boas e divertidas da vida para Jamie, mas ao mesmo tempo joga de tempo em tempo um choque de realidade para o garoto, o mostrando que a vida mesmo sendo divertida será também dura e difícil. Fechando os destaques, Elle Fanning está muito bem interpretando a melhor amiga – e interesse amoroso/sexual – de Jamie. A personagem também tem algumas camadas interessantes, e Fanning fez um trabalho muito bom misturando todas essas camadas mesmo em menos tempo do que os outros intérpretes do filme tem.

Há diálogos absolutamente fantásticos aqui. A cena aonde Jamie responde para Dorothea o porque da briga que ele teve no colégio é uma das cenas em que eu mais ri no cinema em 2016. Toda a sequência envolvendo uma briga sobre a banda Talking Heads é muito boa (inclusive mostra até um começo da briga que dura até hoje de Punks x Skinheads), e é fechada com chave de ouro quando Dorothea diz “esses seres são tão evoluídos”, frase que pode ser encarada como uma resposta a qualquer tipo de preconceito que tenhamos na sociedade. A cena da mesa de jantar perto do final é muito boa (incluindo uma bela referência a um dos meus filmes preferidos, Um Estranho no Ninho), entre outras cenas incríveis.

A verossimilidade do filme também é muito grande, seja nas relações ou no desenvolvimento de personagens. A relação de Jamie e Julie em particular me chamou muito a atenção. Você entende ambos os lados, apesar de pessoalmente ter simpatizado mais com o lado de Jamie, talvez por já ter passado por uma situação parecida. De tempo em tempo eu me pegava torcendo para que Jamie tomasse uma decisão que fosse contra o que Julie estava fazendo até o momento, mas sempre que pensava nisso entendia também o lado de Julie, que vinha por anos tendo seu melhor amigo para conversar sobre assuntos que na época do filme ele já não queria ouvir de jeito nenhum. As cenas em que Jamie demonstra seus sentimentos por Julie são muito realistas e ao mesmo tempo tristes, mas criam um questionamento se Jamie realmente gostava de Julie ou se estava interessado apenas no corpo dela, o que traria toda a razão para ela.

Mesmo o roteiro e as atuações sendo disparadamente as maiores qualidades do filme, ele também é muito bom tecnicamente. A trilha sonora é muito boa, mesmo um pouco repetitiva, a fotografia é bonita, a edição e montagem são impecáveis e a direção de arte e figurino se completam e recriam perfeitamente o período em que o filme se passa.

Mulheres do Século 20 é incrivelmente bem escrito, excepcionalmente atuado, não peca em nenhum aspecto técnico e bem dirigido. Junto com Silêncio, de Martin Scorsese, com certeza foi o filme mais injustiçado da edição de 2017 do Oscar (apenas mais uma das gafes). Não perca 20th Century Women, você não vai se arrepender de assistir.

Título Original: 20th Century Women

Direção: Mike Mills

Elenco: Annete Bening, Lucas Jade Zumann, Greta Gerwig, Elle Fanning, Billy Crudup, Alison Elliot, Thea Gill, Waleed Zuaiter, Alia Shawkat

Sinopse: Na Califórnia dos anos 70, uma mãe tenta cuidar de sua família da melhor forma possível enquanto também procura respostas para as vidas de suas duas jovens amigas – uma fotógrafa aficcionada pela cultura punk e uma amiga de seu filho.

TRAILER:



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