Crítica: Zodíaco (2007, de David Fincher)



2007 foi um ano riquíssimo para o cinema. No Oscar, tivemos uma das disputas mais acirradas dos últimos tempos – entre os quase igualmente fantásticos Sangue Negro e Onde Os Fracos Não Têm Vez -, no sentido de blockbusters tivemos Ratatouille – um dos meus filmes preferidos da Pixar – e O Ultimato Bourne – que ainda é uma referência para os filmes de ação feitos hoje em dia. Além disso, fizeram sucesso filmes como o excelente nacional Tropa de Elite, e filmes não tão bons como Os Piratas do Caribe: No Fim do Mundo, Transformers e Homem-Aranha 3. Um destaque também foi À Prova de Morte, que pra mim é o filme mais subestimado de Quentin Tarantino e igualmente subestimada é esta obra-prima de David Fincher, Zodíaco. Todos esses filmes completam 10 anos este ano.

Zodíaco conta a história de um grupo de pessoas que faz de tudo para achar um serial killer, que chama a si próprio de Zodíaco. Isso é tudo que você precisa saber.

David Fincher – como era de se esperar – faz um trabalho tecnicamente perfeito. O diretor consegue fazer você se sentir apavorado, mesmo que a maioria do filme seja sobre pessoas investigando e juntando fatos. A segunda cena de assassinato mostrada no filme é uma das coisas mais torturantes que eu já vi no cinema. O diretor usa um jogo de câmera sensacional, e se eu não soubesse o ano em que o filme foi feito, poderia jurar que foi feito nos anos 70. É incrível como o diretor conseguiu imprimir em seu filme quase todos os recursos de câmera utilizados nos filmes mais clássicos da década de 70. Também presente em produções dessa década e em Zodíaco é o uso de planos quase sempre estáticos, nos quais os personagens se aproximam da câmera por meio de movimentação da mise-en-scène e não de zoom-ins ou travellings. Há alguns momentos criativos também, como quando a câmera é presa no empunhador do carrinho que circula por dentro da redação do jornal e quando nós vemos um prédio sendo construído e concluído como uma ferramenta para ilustrar uma passagem de tempo. Uma cena em particular – dentro de um trailer – me lembrou algumas sequências de Seven. Fincher sempre dirige seus filmes com um cuidado extremo, que leva à perfeição visual, que faz o diretor ser reconhecido como um dos melhores cineastas de sua geração por inúmeros cinéfilos – inclusive este que vos escreve -, apesar da Academia ainda não ter se rendido ao inegável talento do diretor.

David Fincher no set de Zodíaco

O roteiro de James Vanderbilt é perfeito por vários aspectos: você acredita na história – o que é fundamental para um filme baseado em fatos reais. É impressionante vermos que um suspeito descartado anos atrás pela equipe de investigação pode ser, de fato, o assassino. A verossimilidade é muito presente também quando assistimos a um personagem, que não tem absolutamente nenhuma importância para o filme, fazer uma revelação que pode mudar para sempre a história das investigações. Uma das minhas coisas preferidas no roteiro é que ele não é ofensivamente expositivo, e embora hajam alguns diálogos consideravelmente expositivos, todos eles são feitos de maneira natural, é fácil acreditar que aquelas conversas realmente aconteceram. Mas em sua maioria, o filme joga os fatos na tela e deixa o público deduzir algo ou ligar aquilo que está sendo dito com algo que já foi citado antes na trama ou com alguma característica de um dos suspeitos que já foi abordada mais cedo pelo roteiro. Vanderbilt também é muito bem sucedido ao caracterizar seus personagens: Robert Graysmith é um homem que clama por justiça ao ver os atos de crueldade cometidos pelo assassino serial – mesmo após o caso ter sido quase abandonado -, David Toschi é incrivelmente comprometido com seu trabalho, mas ao mesmo tempo atinge um cansaço inevitável, principalmente após seu amigo e parceiro investigador sair do caso, e Paul Avery, que mesmo parecendo menos comprometido do que os outros, se envolve emocionalmente com o caso.

E as atuações ajudam consideravelmente nesse aspecto. Aliás, neste filme temos 3 dos atores mais subestimados em Hollywood atualmente. Jake Gyllenhaal está sensacional como Graysmith. Ele convence perfeitamente como um homem que está disposto a quase tudo, inclusive se afastar de sua família, para resolver o caso. Há algumas cenas em que Graysmith está em situações difíceis que são sensacionais tanto do ponto de vista de direção, fotografia, edição e trilha sonora quanto de interpretação – especialmente uma que envolve um porão e um pôster de cinema. Mark Ruffalo também está excelente no papel de Dave Toschi, um policial que dedica todos os seus dias e várias de suas noites para encontrar o assassino. Você sente o cansaço no ritmo das falas de seu personagem em uma determinada parte do filme e muitas vezes sua ansiedade, embora sempre extremamente racional. Robert Downey Jr. está aqui em seu último papel antes de Homem de Ferro, que viria 1 ano depois, em 2008, e já, de certo modo, incorpora certos maneirismos de Tony Stark, como o sarcasmo exagerado e até muitas vezes irritante e as piadinhas fora de hora, mas o ator rouba a cena e mesmo com consideravelmente menos tempo em tela do que os outros protagonistas, consegue deixar sua marca e até fazer parecer que tem quase o mesmo tempo de tela que Gyllenhaal e Ruffalo.

O elenco coadjuvante não deixa nada a desejar. Anthony Edwards está muito bem como o parceiro e confidente de Dave Toschi, Chloë Sevigny consegue nos fazer entender o lado da família de Graysmith, que em certo ponto fica cansada com a dedicação dele em achar o assassino e da falta de dedicação dele com a família – que é muito bem ilustrada em uma cena que vemos seus filhos procurando pistas sobre um dos suspeitos -, mas é John Carrol Lynch que impressiona mais. Ele interpreta um dos principais suspeitos de ser o Zodíaco e você fica tão em dúvida em relação a seu personagem quanto qualquer um dos envolvidos na investigação. Tudo isso por causa do gestual, dos maneirismos e até do tom de voz empregado por Lynch.

Os aspectos técnicos do filme são quase impecáveis. A edição é perfeita – tem também um papel fundamental na “setentização” do filme, deixando alguns planos seguirem sem cortes desnecessários -, a trilha sonora é apavorante e pesada, a fotografia, como na maioria dos filmes de Fincher, é composta por uma paleta de cores escura, com cinza e marrom predominantes e os figurinos acompanham perfeitamente a passagem de tempo do filme, que aborda aproximadamente 25 anos. A maquiagem poderia ser um pouco melhor unicamente em uma cena aonde vemos o personagem de Robert Downey Jr. mais velho e com cabelos e barba branca, e a montagem tem alguns problemas quando chegamos na metade do filme e ele foca em apenas uma parte da história, quase nos fazendo esquecer do outro núcleo da narrativa – que é tão importante quanto -, mas, tirando essa parte, a montagem é impecável.

Uma coisa importante a se dizer é que o filme tem quase 2h40, mais precisamente 157 minutos, e parece que tem no máximo 90 minutos. Você fica tão imerso e tão interessado na história que não vê o tempo passar, e quando ousa olhar no relógio faltam 20 ou 15 minutos para o final do filme.

Zodíaco é um filme brilhante por causa de sua direção perfeita, edição impecável, atuações perfeitas, roteiro fantástico e uma estética setentista que provavelmente conquistará – ou já conquistou – uma admiração gigantesca por parte daqueles que, como eu, amam os filmes clássicos. Considero essa obra como um dos melhores filmes de investigação da história do cinema, talvez perdendo apenas para o igualmente sensacional Todos Os Homens do Presidente (1976, de Alan J. Pakula). Definitivamente é um dos melhores filmes de Fincher, e apesar de considerar Seven melhor, acho Zodíaco tão bom quanto Clube da Luta, o que definitivamente não é pouco a se dizer.

Título Original: Zodiac

Direção: David Fincher

Elenco: Robert Downey Jr., Jake Gyllenhaal, Mark Ruffalo, Anthony Edwards, Brian Cox, John Carrol Lynch, Richmond Arquette, Bob Stephenson, Chloë Sevigny, John Getz, John Terry, Candy Clark, Elias Koteas, Dermot Mulroney

Sinopse: Três cartas diferentes chegam aos jornais San Francisco Chronicle, San Francisco Examinere e Vallejo Times-Herald, enviadas pelo mesmo remetente. A carta enviada ao Chronicle trazia a confissão de um assassino e as três juntas formavam um código que supostamente revelaria a identidade do criminoso. O assassino exige que as cartas fossem publicadas, caso contrário mais pessoas morreriam. Os assassinatos e as cartas se sucedem, provocando pânico na população de San Francisco.

TRAILER: 



E você, já assistiu a esse filme de David Fincher? Gostou? Qual é seu filme favorito do diretor? Comente aqui embaixo e obrigado por ter lido.


Deixe uma resposta