Crítica: Elis (Hugo Prata, 2016)

Meu pai tinha o costume de colocar música pra tocar aos domingos de manhã. Puxava algum dos CDs que tinha na coleção e deixava de fundo enquanto estava lavando o carro, ou organizando documentos, e eu ficava ali sentada no sofá da sala ouvindo. Foi dali que ouvi Elis Regina pela primeira vez, com aquela voz dominante. Como figura importante da música brasileira, não tardou para que descobrisse sobre sua trajetória, notando que a profundidade que ouvíamos era reflexo da sua própria vida explosiva – e é assim que a vemos neste filme, fazendo jus à sua personalidade impetuosa.

Como é de se esperar, Andreia Horta toma o filme para si com sua interpretação da cantora. A mesma incorpora Elis em todos os seus momentos – felizes, tristes, loucos, calmos, misteriosos, públicos. O maior acerto da produção é sua atuação, não à toa reconhecida com o prêmio de Melhor Atriz na edição deste ano do Festival de Gramado. A semelhança entre as mulheres ajuda, aliada ao ótimo trabalho feito pela direção de arte e figurino em compor o visual de Elis de acordo com as fases apresentadas no filme. O fato de as músicas serem dubladas pelas versões em nada atrapalham o que é entregue nas cenas – Horta acompanha os trejeitos e manias de Elis no palco com perfeição.

Andreia Horta em cena de Elis e Elis Regina em imagem de arquivo 

Falando em atuações, este é o ponto forte do filme. Com o dever de representar figuras conhecidas da história recente da música brasileira, tem-se um elenco selecionado a dedo, entregando em grande maioria performances louváveis dentro do contexto apresentado – destaque para Lucio Mauro Filho com um ótimo Carlos Miele e Julio Andrade como Lennie Dale, artista importante do Beco das Garrafas nos anos 60 e esquecido ao grande público nos dias de hoje. Gustavo Machado entrega um sedutor convincente com seu Ronaldo Bôscoli, o “Véio que namorou o Rio de Janeiro inteiro”. A química entre Horta e Machado é palpável para o espectador, focando na importância do romance entre os dois na vida e carreira de Elis.

Lucio Mauro Filho como Carlos Miele em cena do filme 

Julio Almeida como Lennie Dale em cena do filme 


Gustavo Machado como Ronaldo Bôscoli em cena do filme 

O maior pecado aqui é, no entanto, o roteiro. O trabalho assinado por Vera Egito, Luiz Bolognesi e Hugo Prata é raso e pouco inspirado. Quando se trabalha com filmes biográficos, o cuidado com fuga de clichês deve ser triplicado – coisa que Elis, infelizmente, não conseguiu evitar. Diálogos simplistas prejudicaram a profundidade e carga emocional em vários momentos, ao passo que o retrato da vida de Elis precisava e muito deste foco sentimental em perfeito ajuste. Foi feita a escolha de abordar a vida da cantora de sua saída do Rio Grande do Sul até sua precoce morte em 1982. Muito havia a se mostrar neste intervalo – várias pessoas envolvidas na vida desta poderosa mulher, músicas de diversos compositores chave do cenário nacional. Usar de noventa minutos para tanto sobre a vida da artista foi um grande risco, e o preço foi pago na correria com a sequência dos fatos. A falta de profundidade prejudicou plots interessantes e de larga margem para abordagem: o ativismo de Elis e a ditadura, a dificuldade em conciliar seus shows e álbuns com o papel de mãe, entre outros (o casamento com César Mariano, interpretado por Caco Ciocler, foi tão apressadamente explanado que ficou difícil até de se importar com seu término).

Andreia Horta como Elis e Caco Ciocler como César Mariano em cena do filme 

Aqui fica, portanto, a indagação: e se o mesmo projeto fosse conduzido como uma minissérie curta, de 8 a 10 capítulos, fragmentando as fases da carreira de Elis? Com mais tempo em cena para cada pedaço de sua vida e um roteiro mais afiado, estaríamos analisando um projeto totalmente diferente e que, talvez, apresentasse maior qualidade dentro da sua proposta. Neste panorama, seria possível introduzir Elis ao público com mais calma, dando a chance da “pimentinha” conquistar a audiência que não a conhecia previamente ao invés de apenas assumir que o espectador já conhecia o furacão que era sua vida.

Como dito acima, pontos positivos para as direções de arte e fotografia. Todos os figurinos são impecavelmente condizentes com os períodos registrados em tela (marca das produções da Globo Filmes, diga-se de passagem), além de um ótimo aproveitamento do visual maravilhoso do Rio de Janeiro. Hugo Prata em sua direção aproveitou muito bem a bela fotografia em diversos momentos ao casar as imagens com as canções de Elis ao fundo. Cada canção mostrada no filme arrepia – crédito da voz magnífica da intérprete, e não só nas cenas de paisagem. Vale aqui a menção à excelente cena em que Elis é vaiada em uma apresentação, e a música é amplificada ao fundo à medida que a vaia se intensifica.

Nada apaga, no entanto, a ideia de trazer Elis e sua música para a geração atual. Esta é uma mulher que merece ser lembrada constantemente, e não só por suas inigualáveis interpretações – mas pela vida única e meteórica que teve em seus 36 anos. Sem críticas às cantoras nacionais da atualidade, mas algo merece ser dito: uma vez com sua precoce partida, um vazio nunca mais foi preenchido. Não temos uma Elis Regina em nossos anos, e nem é justo esperar que tenhamos: Elis era única na sua maravilha. Dado este fato, só podemos esperar que mais e mais trabalhos sejam feitos em sua homenagem. Esperemos apenas que os próximos sejam mais fiéis ao espetáculo que era esta mulher – pois o filme de Hugo Prata não conseguiu preencher nossa necessidade, muito pelo contrário: apenas abriu nosso sedento apetite, saudoso da querida Pimentinha.


Título Original: Elis

Direção: Hugo Prata

Elenco: Andreia Horta, Gustavo Machado, Lucio Mauro Filho, Julio Almeida, Caco Ciocler, Zé Carlos Machado

Sinopse: A vida e a obra de Elis Regina, seus amores e canções – a vida da mulher que tomou a Música Popular Brasileira por tormenta nos anos 60 e 70, contada para os saudosos da Pimentinha.


Trailer:




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