Crítica: 007 contra Spectre (2015, de Sam Mendes)



007 contra Spectre (2015)



Em 2006
entravámos, eu e meu irmão, na sala de cinema do (agora saudoso) Severiano
Ribeiro pertencente ao North Shopping Fortaleza. Dando uma olhada no pôster do
filme, lembro-me de me impressionar com a dupla beleza ali exposta – Daniel
Craig, o ingressante na saga com o desafio de superar as baixas
expectativas acerca sua entrada (um Bond loiro, “baixinho” e sem os traços
charmosos do antecessor Pierce Brosnan), e … o carro. Um luxuoso Aston Martin
DBS V12, logo abaixo da silhueta de uma possível Bond girl. Os componentes
principais dos filmes do espião ali reunidos vendiam o que se esperava da
franquia naquele momento – e ‘Cassino Royale’ entregou com maestria, dando novo
fôlego a uma série quinquagenária que há anos não mostrava seu melhor.

Pierce Brosnan, antecessor de Craig
‘007 Casino Royale’ (2006)











































Nove anos e
mais dois filmes passados, Craig já havia estabelecido sua identidade no
personagem. Após o sucesso de ‘007 – Operação Skyfall’ (2012), tanto de crítica
quanto de bilheteria, não havia mais nada a ser provado sobre sua passagem pelo
papel. A curiosidade era grande, no entanto, para o próximo filme da sequência de longas.
Assim que a exaustiva batalha judicial entre MGM e Kevin McClory pelos direitos
totais da marca chegou ao fim, em 2013, elementos clássicos da franquia estavam
de volta ao jogo. Leia-se, portanto, Ernst Stavro Blofeld e sua amada Spectre.
À medida que a publicidade do filme se iniciou, divulgando elenco, sinopse e
imagens, maior o questionamento na minha mente e na de vários outros fãs
incondicionais da franquia: como trazer à tona algo esquecido por mais de 30
anos para a nova geração e, ao mesmo tempo, superar a magnitude do filme
anterior? A resposta veio em 5 de novembro de 2015, e de uma forma bem simples:
não houve como superar.







Sam Mendes
entregou um filme de Bond em toda a sua essência: longas cenas de ação,
perseguições, explosões, belas mulheres, super-vilões e seus capangas e um 007
que, ao final, resolve toda a trama maquiavélica e ainda salva a dama em perigo.
O retorno com tanta fidelidade trouxe alegria e emoção a fãs que ansiavam pelos
componentes tradicionais da série, como os diálogos afiados com Q (Ben Wishaw),
M (Ralph Fiennes) e Moneypenny (Naomie Harris), a introdução icônica com o cano
da arma, as locações grandiosas para as sequências incansáveis de ação, entre
outras. Talvez por isso o longa foi sobrecarregado – e quem sofreu no jogo foi
o roteiro. 



Moneypenny (Naomie Harris) em cena do filme

Q (Ben Whishaw) em cena do filme

Além do
resgate histórico, Spectre teve como missão encerrar o arco dos três filmes
estrelados por Craig, cada qual com elementos fortes a ser abordados, como a
perda de Vesper (Eva Green) e a inigualável M de Judi Dench, a organização
Quantum e o recorrente senhor White (Jesper Christensen) e a crescente
descrença no MI6 e seus agentes por parte do governo britânico. Como se não
fosse fardo suficiente para John Logan e sua equipe, o filme também foi vítima
do escandaloso ataque hacker à Sony, tendo seu script vazado a menos de um ano
do seu lançamento. Como resultado da adaptação, o que vimos foi um roteiro
confuso e malconduzido, resultando negativamente no ritmo da trama (vide o plot
totalmente esquecível do “C” de Andrew Scott e o MI5).


Mr. White (Jesper Christensen)
“C” (Andrew Scott)

Também afetado
pelos problemas de roteiro foi o vilão principal do longa, o Oberhauser/Blofeld
de Cristoph Waltz. A grandiosidade do personagem dispensa apresentações para os
fãs da franquia que acompanharam sua saga nos anos 60, o que não é
necessariamente o caso da nova geração de espectadores. Mostrá-lo como o
culpado de todas as tragédias pessoais de Bond e chefe da organização
responsável pelos principais crimes dos quatro filmes foi arriscado, e perdeu
por não saber introduzi-lo no filme com o tempo que merecia (e precisava). Usar
como âncora emocional um antigo laço familiar entre James e Blofeld para
mostrar a importância do algoz ao invés de desenvolvê-lo gradativamente ao
longo da trama teve seu preço, e a audiência não se comoveu o suficiente. Nada
apaga a passagem de Waltz, no entanto, que entrega uma boa performance apesar
de um roteiro que não alcança sua qualidade como ator.



Franz Oberhauser/Ernst Stavro Blofeld (Cristoph Waltz)

Destaque
negativo também para as mulheres principais, Madeleine Swann (Léa Seydoux) e
Lucia Sciarra (Monica Bellucci). Preencher o vazio deixado pelas últimas Bond
girls era algo difícil, dado que se tratava, apenas, de M e miss Moneypenny. O
que deixou mais a desejar, no entanto, foi o potencial perdido pela escolha das
atrizes. Ambas estão presentes na lista VIP do cinema mundial por suas
capacidades de atuação – Bellucci já consagrada como grande dama e Seydoux como
estrela do momento, após o sucesso colossal de ‘Azul é a Cor mais Quente’ (2013).
Ver uma trama subdesenvolvida (para dizer o mínimo) para a primeira e uma
extensa para a outra mostrou desequilíbrio na narrativa, especialmente quando
Madeleine Swann é apresentada como filha do Mr. White de ‘Quantum of Solace’ (2008) – ali estava não por mérito próprio, mas sim como um elo entre histórias
passadas.


Léa Seydoux e Monica Bellucci
O retorno de
Thomas Newman à música da franquia foi um fator revigorante para o filme,
aliado à excelente música tema de Sam Smith, ‘Writings on the Wall’. Sua trilha
se encaixa tão bem quanto em Skyfall, da qual também foi responsável, em todos
os níveis da trama. Destaque também para a fotografia e direção de arte de Hoyte van Hoytema e Dennis Gassner, respectivamente, que ficam especialmente
evidentes nas excelentes sequências no México (passagem inicial em homenagem a
Festa dos Mortos) e na Áustria (fuga do consultório de Madelaine). Tudo isso,
claro, magistralmente conduzido pelo ótimo Sam Mendes, que deixa sua marca em
cada aspecto do filme – destaco, especialmente, a ótima cena de Bond
encontrando Oberhauser pela primeira vez em uma reunião secreta, com o aspecto
sombrio e misterioso do momento e do lugar.

Cena em locação no México
Cena em locação na Áustria

Não me escapou o pensamento, assim que saí da sala de cinema, que os
melhores aspectos do filme ficaram em referências aos antigos longas da saga. Exemplo:
quando Blofeld assume a culpa pela morte de Vesper em Casino Royale, o grande
amor de James nos filmes recentes, foi impossível não lembrar da maravilhosa
Condessa Tracy (Diana Rigg), de ‘À Serviço Secreto de Sua Majestade’ (1969).
Tracy foi a única mulher que conseguiu um casamento com Bond em toda a
franquia, e é assassinada pelo Blofeld de Telly Savalas, a caminho da
lua-de-mel. Relembrar, mesmo que indiretamente, um dos momentos mais dolorosos
da saga trouxe à tona uma dose de emoção à cena. Imediatamente, no entanto, me
entristeci, pois sabia que nem todos ali assistindo comigo sentiriam a mesma
emoção por esta homenagem. Outros trechos também mostram, como o flerte
evidente entre Bond e Moneypenny, a constante paz guerreada entre Bond e M e o
encontro inicial entre Ben Whishaw e Daniel Craig, que remonta a falta de zelo
de 007 com os carros e apetrechos mirabolantes de Desmond Llewelyn ao longo de
quase quarenta anos de saga.


Morte de Vesper Lynd (Eva Green) em ‘007 – Casino Royale’ (2006)

Morte de Tracy Bond (Diana Rigg) em ‘007 – À Serviço Secreto de Sua Majestade’ (1969)

Bond (Roger Moore) e Q (Desmond Llewelyn) em ‘007 Contra Octopussy’ (1983)

Em resumo, ‘007
contra Spectre’ é uma bela homenagem à saga mais duradoura da história do
cinema. Caso seja, de fato, o canto do cisne de Craig para o papel, ficará
eternamente marcado como uma bela participação sua, dado que os problemas do
longa em nada lhe são responsáveis. Como fã irrevogável da franquia, vi um
filme feito para me agradar, dado que o que me foi dado como homenagem
compensou o que havia para se colocar defeito. No entanto, fica a mensagem aos
próximos produtores dos filmes: em tempos de orçamentos monumentais, a
continuidade da franquia depende bilheterias igualmente poderosas para se
sustentar. Conhecendo o número de espectadores necessário para isso, aviso:
Cuidem-se. Provavelmente, nem todos serão compreensivos como eu fui e podem,
simplesmente, não voltar mais para ver seu incrível espião. 




Nota: 7,0

Título Original: SPECTRE

Direção: Sam Mendes

Elenco: Daniel Craig, Ralph Fiennes, Cristoph Waltz, Léa Seydoux, Naomie Harris, Ben Whishaw, Monicca Bellucci, Dave Bautista, Andrew Scott


Trailer:



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