Crítica Longe Dela (2008, de Sarah Polley)





Uma das qualidades mais especiais,
e também rara, que um filme pode ter é conseguir quebrar a parede que separa o
espectador da projeção, aquele muro que, de alguma forma, sempre nos lembra da
encenação, por mais absortos que estejamos. Desmanchar essa barreira é difícil,
poucos são os filmes que conquistam tal feito. Mas, de vez em quando, eles
surgem, como é o caso de ‘Longe Dela’ (2007), obra que, confesso, por pura
preguiça, cometi o erro de ver tardiamente. 





‘Como você vê, estou indo,
mas ainda estou aqui’, diz a protagonista do filme pouco antes de se internar
em uma clínica. A frase ficou em minha mente por horas e é a que melhor
representa o tema do filme. Grant e Fiona, um casal com seus 60 e poucos anos,
vivem confortavelmente e felizes até que, um dia, quando estão guardando a louça,
ela coloca a frigideira na geladeira. É o primeiro sinal do Mal de Alzheimer. Sua
memória se esvai aos poucos, e ela opta por ir para uma clínica ao invés de se
tornar um fardo para o marido. O filme é dividido em dois momentos distintos:
fora e dentro da clínica. Fora, Fiona enfrenta a crueldade de tomar consciência
que tudo irá sumir da sua mente. Do lado de dentro, já sem lembrar do próprio
marido, o foco é no peso que ele carrega por ser esquecido pela pessoa que mais
ama e que, sem memória, se encanta por outro paciente do local. 




Dizer que ‘Longe Dela’ é um
filme sobre Alzheimer é uma definição simplista. Distante de se preocupar com a
degradação física causada pela doença, embora ela esteja lá, o que vemos aqui é
uma história sobre o quanto nossas memórias, histórias e vivências são nossa
identidade, o que define as pessoas. Perder tudo isso é como se tornar um
zumbi, é como morrer enquanto o corpo permanece vivo. É perder sua essência e o
sentido de sua existência. E nada pode ser mais doloroso que isso. E é justamente a transformação dessa dor
em algo palpável que faz de ‘Longe Dela’ uma grande obra. Méritos, sobretudo, da
diretora Sarah Polley, que inacreditavelmente com apenas 28 anos soube ser
perspicaz e sensível para contar essa história. Os sentimentos transbordam, e
somos incapazes de ficar indiferentes. Tudo o que aqueles personagens sentem,
sentimos com a mesma intensidade. Esse é o motivo por ter optado por escrever
esse texto em primeira pessoa. O filme se transforma em uma experiência tão
pessoal, quase sensorial, que seria incapaz de expressar o que sinto de forma
distante. 




Pois bem, Polley, além de
hábil ao lidar com as situações demonstrando delicadeza e sutileza que alguns
cineastas levam anos para adquirir, é inteligente ao extrair a interpretação de
seus atores. Julie Christie, linda como poucas mulheres de sua idade, deixa as
memórias de Fiona escapulirem por seu olhar enquanto mergulha na degradante
doença. Gordon Pinsent transborda um amor verdadeiro e uma esperança de forma
silenciosa, mas sempre crível. E Olympia Dukakis dá grande dimensão a uma
personagem secundária. 




Poucas vezes uma experiência
foi tão difícil quanto assistir a esse filme (o que é um tremendo elogio). Cada
visita de Grant a clínica, cada expectativa de que naquele encontro ele seria
lembrado pela esposa…não era só a sua expectativa, era também a minha. Fiquei
ansioso junto com Grant, triste, consternado, mas sempre cheio de amor,
disposto a, como ela mesma disse, não abandoná-la e não esquecê-la. E quando
Fiona finalmente tem um lapso e lembra dele, lhe dando um abraço, também me
senti abraçado. E nunca um abraço foi tão dorido. Um abraço de despedida, um
abraço de um homem que entende que não pode fazer mais nada, que precisa
deixa-la para esquecê-la, que precisa continuar vivendo, pois como diz outra personagem, às vezes é preciso tomar a decisão de ser feliz. Só de lembrar da cena os
olhos ficam completamente marejados. E como é especial um filme alcançar isso.
Os créditos rolam e a música de Neil Young descreve exatamente a sensação que
fica: ‘Helpless, helpless, helpless’. Desamparados, desamparados,
desamparados…

Nota: 9,5

Direção: Sarah Polley

Elenco: Julie Christie, Gordon Pinsent, Olympia Dukakis

Sinopse: A vida do casal Fiona e Grant é abalada pela descoberta de que ela tem Alzheimer. Ela então decide se internar em uma clínica. O local não permite visitas pelos primeiros 30 dias, e quando Grant reencontra a esposa, ela não lembra mais dele e já está afeiçoada por outro paciente da clínica. 



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