O Bebê de Rosemary: nada pode ser mais assustador que nossas próprias crenças





Quando John Lennon foi
assassinado, em 1980, em frente ao prédio Dakota, onde morava, poucas pessoas
sabiam, mas o local já havia sido cenário de outra história aterrorizante. A
história em questão era ficção, mas nem por isso menos impressionante. Ali
havia sido filmado ‘O Bebê de Rosemary’, clássico do terror que mesmo com o
passar dos anos não se tornou menos assustador. 





O filme começa no final de
1965. Rosemary é casada com Guy, um ator de pouca sorte que vive de pequenos
papéis bastante esquecíveis. Quando se mudam para um novo apartamento, logo
fazem amizade com os Castevets, um casal de idosos sem filhos, bastante
simpático e invasivo. O jovem casal decide ter um bebê, e na noite da concepção
do herdeiro, a mulher passa mal e sofre várias alucinações, descobrindo no dia
seguinte que está grávida. Deste momento em diante, as coisas em sua vida passam
a ficar cada vez mais estranhas. Sua gravidez é difícil: ao invés de ganhar
peso, ela parece cada vez mais magra, sofre de fortes dores, e o tratamento
inclui um suco preparado com misteriosas ervas de sua vizinha, Minnie
Castevets. A vida de Guy, por outro lado, repentinamente fica melhor, mas nem
por isso cercada de acontecimentos menos estranhos: ele ganha um importante
papel após o ator originalmente escalado acordar misteriosamente cego. Rosemary
passa, então, a desconfiar de um complô para roubar seu bebê e utilizar para
rituais de bruxaria, já que o prédio em que vivem tem em seu passado histórias
mal explicadas e suspeitas. 






O filme é dirigido e escrito
por Roman Polansky (responsável também pelo excelente representante neo noir ‘Chinatown’)
que filma aqui um representante genuíno do terror psicológico. As cenas são
simplesmente sublimes, e detalhes pequenos fazem toda a diferença. Note, por
exemplo, que quando a protagonista abre o livro sobre bruxaria que ganhou de um
amigo, ela o faz exatamente em sua barriga, mostrada pela primeira vez como uma
barriga de grávida ao espectador. Já a cena da noite em que Rosemary fica
grávida utiliza um impressionante jogo de câmera e edição. Além disso, o
diretor também toma a inteligente decisão de iniciar e terminar o filme com o
mesmo movimento de câmera. Na primeira cena, a câmera, de forma tímida, anda
pelos telhados até se aproximar do prédio em que Guy e Rosemary irão morar. Já na
última cena, a câmera se distancia do prédio e se perde entre os demais, como
se estivesse dizendo que aquela história sempre ficará entre quatro paredes, e
que sabe-se lá quantas semelhantes não ocorrem dentro dos outros edifícios. 





A fotografia e a direção de
arte completam o trabalho técnico ao transformar o apartamento, inicialmente
claro e arejado, que destoava do restante do edifício, velho e escuro, em um
local cada vez mais sombrio e claustrofóbico, derrubando a ideia do lar perfeito.
Enquanto isso, a trilha sonora dá o tom perturbador que irá acompanhar a
protagonista, interpretada magistralmente por Mia Farrow nesse que,
possivelmente, tenha sido seu melhor papel no cinema. A atriz sabe dosar e
transitar com perfeição entre a alegria e doçura inicial de Rosemary e a paranoia
e medo crescentes, através de um olhar assustado e perdido. 






Mas o grande mérito da obra
está na condução de sua narrativa, que ao invés de ser uma história de terror
sobre bruxos, opta por fazer um profundo estudo de símbolos e crenças. Rosemary,
ao ser questionada sobre sua religiosidade, diz ser católica, afirmação que faz
sem muita convicção. Durante suas alucinações, no entanto, é possível descobrir
que ela possui um passado ligado a um catolicismo fervoroso, quase castrador. Além
disso, o medo que ela sente nunca é ligado ao fato de poder estar gerando um
filho de uma entidade negativa, mas sim ao fato de que pessoas que acreditam
nisso tentem fazer algum mal ao seu filho. Algumas metáforas são muito significativas. Uma delas ocorre enquanto Rosemary está no consultório de seu médico. Esperando para ser atendida, ela folheia a famosa edição da revista Time de abril de 1966, que em um fundo preto e com letras vermelhas estampa a pergunta ‘Deus está morto?’. A crítica de Polansky é feroz: como
nossas crenças são capazes de nos influenciar e nos modificar, o quanto elas
são ligadas aos nossos desejos e ambições mais íntimos e também o quanto estão ligadas na construção da sociedade. Guy, por exemplo, faz
um pacto com os membros da seita para conseguir sucesso. Na visão de Polansky,
quantos mais não devem ter feito isso?


É sobretudo por essa
temática que ‘O Bebê de Rosemary’ permanece atual e se mantém como um dos
filmes mais importantes de um gênero, porque consegue levantar questões
pertinentes sem esquecer de sua essência naturalmente assustadora. A meia hora
final é enervante, com Rosemary acuada, sem saída, sem saber em quem confiar,
presa nas paredes do prédio onde achou que seria feliz. Um deleite para os
amantes dos filmes de terror de qualidade. Quem conseguir, que durma com a
canção de ninar de Rosemary, símbolo do seu sonho transformado em pesadelo. 


Nota: 10

Direção: Roman Polansky

Elenco: Mia Farrow, John Cassavetes, Ruth Gordon, Sidney Blackmer

Sinopse: Rosemary e Guy se mudam para um prédio em Nova York e tudo parece perfeito. Após ficar grávida, porém, a jovem começa a desconfiar que seu marido e seus vizinhos façam parte de um misterioso ritual. 






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