‘Carol’: a jornada de autodescobrimento através do amor de duas mulheres

Todd
Haynes volta aos anos 1950, filma um melodrama clássico e um dos melhores
filmes de 2015

Em 2003, o cineasta Todd
Haynes se enveredou pelo melodrama para contar o relacionamento entre uma dona
de casa branca e um homem negro no excelente ‘Longe do Paraíso’. Mais de dez anos depois, Haynes retoma o gênero e
retorna ao mesmo período conservador, desta vez para falar sobre outro assunto
polêmico: o amor entre duas mulheres. 


Uma delas é Therese, jovem
acomodada que ganha a vida como vendedora em uma loja de brinquedos. Próximo ao
Natal, ela conhece a elegante e refinada Carol, que procura um presente para a
filha. Já no primeiro encontro, fica evidente a atração entre as duas. O
caminho desse romance, porém, será tortuoso. Carol está se divorciando do
marido, que descobriu um antigo relacionamento amoroso entre a esposa e uma
amiga. Diante do conservadorismo da época, ela corre o risco de perder a guarda
da filha, vivendo um dilema entre aceitar ou não sua natureza. 


O filme tem a elegância dos
clássicos da era de ouro de Hollywood. A reconstituição de época é valorizada
pela direção de arte e pelos figurinos caprichados da sempre eficiente Sandy
Powell, emoldurados na fotografia de Edward Lachman, que colabora com o diretor
há 13 anos e pela quarta vez. Juntos, eles estudaram os melodramas
hollywoodianos e apostaram em uma paleta de cores frias e nos reflexos em
espelhos e janelas, gerando belas imagens. Lachman, aliás, talvez tenha sido
quem melhor compreendeu a essência do que seria narrado. Em uma troca de
e-mails entre o cineasta e o diretor de fotografia divulgada por reportagem do
American Society of Cinematographers, Haynes fala sobre a obra de Patricia
Highsmith, autora do livro que dá origem a ‘Carol’.
O romance, em tese, fugiria do habitual da escritora, que costuma contar
histórias de crimes, caso de ‘O Talentoso
Mr. Ripley’, também levado ao cinema em 1999.  Lachman, entretanto, respondeu que ‘Carolnão deixa de ser sobre um crime, o
que as duas protagonistas cometem ao se apaixonarem.  

Esse amor é personificado de
forma cuidadosa e sutil por duas atrizes em estado de graça. Cate Blanchet, que
vive Carol, é um assombro em cena, fazendo de sua Carol uma mulher elegante com
um vulcão guardado prestes a explodir. O dilema de sua vida é enfrentar a
sociedade em que vive, o que pode representar perder contato com a filha, ou
ser uma mulher completa e realizada, com orgulho de si mesma e sem sentir
vergonha dos próprios sentimentos. Já Rooney Mara compõe uma Therese calada,
que gosta de observar o mundo de forma silenciosa junto com sua câmera
fotográfica, mas que a medida que fica amiga de Carol, se conhece e aprende a
gostar de si mesma. Uma funciona para a outra como tábua de salvação. 


‘Carol’ é,
acima de tudo, uma jornada de descobrimento e aceitação dessas duas mulheres
cercadas de uma sociedade machista, que ganha outra dimensão graças ao trabalho
de Haynes. Cada cena, cada plano, são milimétricamente pensados. O primeiro
take é em um bueiro, saindo lentamente dali para as ruas, um simbolismo da sarjeta
em que mulheres como as duas que serão exploradas pelo filme eram jogadas. E reparem,
por exemplo, no café que as duas personagens tomam juntas. A câmera filma Carol
por um bom tempo com certa distância, frisando a perspectiva de Therese, que a
vê como uma mulher admirável e talvez inalcançável. A medida que a conversa
flui, a câmera pela primeira vez filma as duas na mesma distância. Já após as
duas descobrirem que estavam sendo vigiadas, o diretor filma Therese por um bom
tempo em segundo plano e sempre com o vidro do carro entre a personagem e a
câmera, uma metáfora da vergonha e remorso que ela sente.  


A frieza adotada pelo filme
gerou muitas críticas, todas elas equivocadas, já que essa escolha faz parte da
inserção no contexto histórico dessas personagens. Carol e Therese são filmadas
com distanciamento, jamais de maneira vazia. Há sim, muita coisa escondida. São
sentimentos guardados a sete chaves na frieza de um mundo com muitas
dificuldades de aceitar as diferenças e as quebras de convenções.  

NOTA: 9,5

Direção: Todd Haynes

Elenco: Cate Blanchet, Rooney Mara, Sarah Paulson, Kyle Chandler

 

 

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