CRÍTICA: “Rugas” (2011)



“Rugas” (Arrugas. 2011)                                                                                        


É
interessante encontrar filmes desconhecidos por muitos e, de repente, parar e
assistir sem nenhuma expectativa ou receio. Poucas vezes isso acontece, já que
sempre estamos aguardando uma boa estreia ou um filme de um diretor ou ator favorito,
mas aconteceu – de novo – comigo. “Rugas” é uma animação espanhola dirigida por
Ignacio Ferrera e que, quase no anonimato, fez lágrimas descerem e arrancou
elogios de críticos e espectadores que o apreciaram. O filme tem como tema
central a terceira idade e o Alzheimer, mas claramente vai muito além disso.




Emilio
é um senhor de certa idade que é cuidado pelo filho e nora, mas se incomoda
quando percebe ser um ‘peso’ para eles e, numa difícil decisão, resolve por viver
em uma casa de repouso para idosos. Lá ele conhece Miguel, um senhor
aparentemente extrovertido com quem Emilio dividirá seu quarto e com quem cria
laços de amizade e confiança, fazendo com que se entrose com os demais da casa.


Andando
e conhecendo o prédio, Emilio ouve gritos estranhos vindos do andar de cima e,
assustado, pede informação a Miguel que explica que o tal andar é onde ficam os
pacientes ‘assistidos’, com problemas mais graves ou em estágio avançado de
Alzheimer e orienta que devem se cuidar para nunca precisarem ir para lá um
dia. Enquanto os dias vão passando, coisas estranhas acontecem a Emilio e ele
se dá conta de que está em fase inicial do Mal de Alzheimer, deixando Miguel
preocupado e disposto a qualquer coisa para ajudar o amigo, já que seu último
colega de quarto, a quem pôde um dia chamar de ‘amigo’, também foi vítima da
grave doença.


O
filme decorre mostrando o desenvolvimento da doença e, acima de tudo, o crescimento
da amizade entre os dois personagens centrais e o envolvimento de outros como
Antónia, uma senhora simpática e correta que logo se aproxima de Emilio e que
também tem seus problemas de saúde: em cada refeição ela pega algum tipo de
alimento e guarda para dar a seu neto algum dia, aparentando, talvez, certa
‘necessidade de ajudar’. Além dela, temos o casal de senhores com quem eles
fazem refeições juntos diariamente e que protagonizaram uma das cenas mais
lindas e emocionantes do filme. Dolores é uma simpática senhora que vive na
mesma casa de repouso com seu esposo Modesto, um velhinho com vários problemas
de saúde que recebe comida na boca por sua esposa e que, para Miguel, nem sabe
o que acontece a sua volta. 
Após cada refeição Dolores sussurra alguma coisa no
ouvido do marido, o que o faz sorrir todas as vezes, todos os dias. Indagada
por Emilio, Dolores explica que o que o faz sorrir é a lembrança de um momento
único que o casal viveu enquanto jovens, deixando claro na tela que, apesar de
todos os problemas, Modesto ainda se recorda do momento em que conseguiu fazer
feliz a mulher que passou toda a vida ao seu lado. É mais lindo ainda saber que
Dolores é uma senhora um tanto saudável e que está naquele lugar por uma única
razão: cuidar de Modesto, inclusive acompanhá-lo em seus momentos mais difíceis
como quando ele é transferido para o andar dos “assistidos”. O filme nos
direciona a um leque de sentimentos fortes que tomam conta da emoção.


Trecho da novela gráfica de Paco Roca que deu origem ao longa de animação. Imagem ilustrativa de uma das cenas.


O
estado de Emilio vai se agravando a cada dia que passa e, por vezes, ele acaba acusando
Miguel de roubo, pois não consegue mais se lembrar onde guarda ou esconde seus
objetos pessoais. Miguel, provando sua amizade, nada faz e, por não ter nenhum
familiar ou alguém próximo, continua a encher o cotidiano de seus amigos com
alegria e conseguindo dinheiro a todo custo para executar um plano que eles
jamais esqueceriam, ilustrada numa cena memorável.


O
filme é simplesmente lindo, delicado e sensível a ponto de emocionar a todos. O
enredo, bem elaborado, é baseado numa novela gráfica premiada de Paco Roca e
consegue carregar e conectar todos os acontecimentos de forma coerente e clara.
Os traços do desenho são de uma leveza incrível, contrastando com o peso e
profundidade do filme e dando um tom de simplicidade que nos remete a vários
sentimentos e sensações e mostrando que não dá pra ficar com a mente estática
vendo um filme assim; ao se conectar com o tema, mil coisas passam pela nossa
cabeça. 
A ‘velhice’ é um assunto muito peculiar que, quando retratado no
cinema, nos leva a pensamentos profundos de vida e morte, amor e
arrependimento, entre outras coisas. Em 2012, o diretor Michael Haneke
presenteou o mundo com o filme “Amour”, retratando de forma única e profunda a
quase destruição humana pela idade e suas consequências, deixando a mente do
público barulhenta e cheia de pensamentos. 
Em “Rugas”, seguimos a mesma emoção
de um ponto de vista tão cruel quanto, onde, na verdade, a ‘crueldade’ se torna
realidade e consegue, sem muito esforço, nos comover. O filme venceu alguns
prêmios internacionais incluindo o Prêmio Goya de Melhor Animação, me deixando
intrigado com o fato do filme ser tão desconhecido. Sem mais delongas, este é
um filme que todos deviam apreciar e refletir sobre seu conteúdo cheio de
significados, valores e sensibilidade, um filme raro que deixa um sentimento de
carinho e reflexão no coração de quem o assiste. Vale a pena.


NOTA:
9,5


“Rugas”
Título original: ‘Arrugas’
Ano: 2011
País: Espanha
Duração: 89 min.
Direção: Ignacio Ferreras
Elenco: Tacho Gonzalez, Álvaro Guevara, Mabel Rivera.


Trailer:



 


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