CRÍTICA : O CORVO

Enredo: O escritor Edgar Alan Poe (John Cusack) está na caça
de um assassino serial que imita os crimes de seus contos e ainda sequestrou
sua noiva Emily (Alice Eve). Para ajudá-lo na investigação, o detetive Emmet
(Luke Evans) assume o caso e pretende dar um fim aos terríveis assassinatos,
que são seguidos de charadas criadas pelo criminoso que desafia a inteligência
do autor num jogo de gato e rato.


Elenco: John
Cusack, Alice Eve, Luke Evans, Brendan Gleeson, Pam Ferris, Kevin McNally,
Brendan Coyle, Oliver Jackson-Cohen, Dave Legeno.


Acompanho
a carreira do diretor James McTeigue desde seu primeiro trabalho. Ele surgiu como
aprendiz da trilogia Matrix, dos irmãos Andy Wachowski e Lana Wachowski
.
Até que lançou seu primeiro filme, o perfeito V de Vingança. Depois vieram os
medianos Invasores e Ninja Assassino. Agora chega seu quarto trabalho: O Corvo.
O que dizer do filme?






Começando
pelo roteiro devo dizer que não se apresenta nada novo. Na verdade há uma
mistura de cenas que você já viu em outros filmes. Talvez esse seja um ponto
fraco. Há armadilhas bem elaboradas como em Jogos Mortais, clima de investigação
misturando características épicas e góticas como em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça
e Do Inferno. Há ainda boa pitada de romance proibido. Também tem uma
personagem enterrada viva. Com alguns clichês e marcas registradas já dessa
equipe, como sangue espirrando e câmera lenta, o filme realmente não traz nada
novo nesse sentido. Mas exceto uma coisa: o próprio Edgar Alan Poe! Sim amigo
leitor, colocar o escritor que é um dos pais da literatura sombria e gótica foi
uma boa jogada. Foi um lampejo de originalidade. Até relacionar o destino desse
grande mestre, misturando a realidade do autor com suas ficções foi realmente
inteligente. Por isso o filme acaba não sendo apenas ficção, mas um pouco de
história literária também.



Do
ponto de vista técnico não há o que reclamar: efeitos especiais bons, trilha
sonora que contribui para o clima, mortes eficazes, figurino e fotografia de
época incríveis; além de uma iluminação (ou a falta dela) perfeita. Sim quase
todo filme é extremamente obscuro, mantendo o clima pesado e gótico.


Com um
elenco muito bom, o destaque fica mesmo com o casal protagonista. John Cusack
convence como o excêntrico escritor Edgar, que bebe e usa ópio, misturando
genialidade e talento com arrogância e traumas. Já Alice Eve faz a típica moça
que precisa ser salva, mas além de atuar medianamente bem, ela é um colírio
para os olhos.






No final das contas O Corvo é um ótimo suspense de época, com tudo que
você quer ver nesse tipo de filme. E a quem se pergunta, qual a relação desse
filme com aquele ótimo O Corvo de 1994 onde Brandon Lee morreu; vou responder! Aquele filme é baseado na
HQ de James O’Barr, essa HQ
é levemente baseada no poema O Corvo de Edgar Alan Poe. Essa é a relação entre
ambos, tendo como origem um dos maiores mestres dos contos góticos de todos os
tempos.


NOTA: 8


Aqui segue o poema:



 O Corvo

Numa sombria
madrugada, enquanto eu meditava, fraco e cansado, sobre um estranho e curioso
volume de folclore esquecido; enquanto cochilava, já quase dormindo, de repente
ouvi um ruído. O som de alguém levemente batendo, batendo na porta do meu
quarto. “Uma visita,” disse a mim mesmo, “está batendo na porta
do meu quarto – É só isto e nada mais.”

Ah, que eu bem disso me lembro, foi no triste mês de dezembro, e que
cada distinta brasa ao morrer, lançava sua alma sobre o chão. Eu ansiava pela
manhã. Buscava encontrar nos livros, em vão, o fim da minha dor – dor pela
ausente Leonor – pela donzela radiante e rara que chamam os anjos de Leonor –
cujo nome aqui não se ouvirá nunca mais.

E o sedoso, triste e incerto sussurro de cada cortina púrpura me
emocionava – me enchia de um terror fantástico que eu nunca havia antes
sentido. E buscando atenuar as batidas do meu coração, eu só repetia: “É
apenas uma visita que pede entrada na porta do meu quarto – Uma visita tardia
pede entrada na porta do meu quarto; – É só isto, só isto, e nada mais.”

Mas depois minha alma ficou mais forte, e não mais hesitando falei:
“Senhor”, disse, “ou Senhora, vos imploro sincero vosso perdão.
Mas o fato é que eu dormia, quando tão gentilmente chegastes batendo; e tão
suavemente chegastes batendo, batendo na porta do meu quarto, que eu não estava
certo de vos ter ouvido”. Depois, abri a porta do quarto. Nada. Só havia
noite e nada mais.

Encarei as profundezas daquelas trevas, e permaneci pensando, temendo,
duvidando, sonhando sonhos mortal algum ousara antes sonhar. Mas o silêncio era
inquebrável, e a paz era imóvel e profunda; e a única palavra dita foi a
palavra sussurrada, “Leonor!”. Fui eu quem a disse, e um eco murmurou
de volta a palavra “Leonor!”. Somente isto e nada mais.

De volta, ao quarto me volvendo, toda minh’alma dentro de mim ardendo,
outra vez ouvi uma batida um pouco mais forte que a anterior.
“Certamente,” disse eu, “certamente tem alguma coisa na minha
janela! Vamos ver o que está nela, para resolver este mistério. Possa meu
coração parar por um instante, para que este mistério eu possa explorar. Deve
ser o vento e nada mais!”

Abri toda a janela. E então, com uma piscadela, lá entrou esvoaçante um
nobre Corvo dos santos dias de tempos ancestrais. Não pediu nenhuma licença;
por nenhum minuto parou ou ficou; mas com jeito de lorde ou dama, pousou sobre
a porta do meu quarto. Sobre um busto de Palas empoleirou-se sobre a porta do
meu quarto. Pousou, sentou, e nada mais.

Depois essa ave negra, seduzindo meu triste semblante, acabou por me
fazer sorrir, pelo sério e severo decoro da expressão por ela mostrada.
“Embora seja raspada e aparada a tua crista,” disse eu, “tu,
covarde não és nada. Ó velho e macabro Corvo vagando pela orla das trevas!
Dize-me qual é teu nobre nome na orla das trevas infernais!”.

E o Corvo disse: “Nunca mais.”

Muito eu admirei esta ave infausta por ouvir um discurso tão atenta,
apesar de sua resposta de pouco sentido, que pouca relevância sustenta. Pois
não podemos deixar de concordar, que ser humano algum vivente, fora alguma vez
abençoado com a vista de uma ave sobre a porta do seu quarto; ave ou besta
sobre um busto esculpido, sobre a porta do seu quarto, tendo um nome como
“Nunca mais.”

Mas o corvo, sentado sozinho no busto plácido, disse apenas aquela única
palavra, como se naquela única palavra sua alma se derramasse. Depois, ele nada
mais falou, nem uma pena ele moveu, até que eu pouco mais que murmurei:
“Outros amigos têm me deixado. Amanhã ele irá me deixar, como minhas
esperanças têm me deixado.”

Então a ave disse “Nunca mais.”

Impressionado pelo silêncio quebrado por resposta tão precisa, “Sem
dúvida,” disse eu, “o que ele diz são só palavras que guardou; que
aprendeu de algum dono infeliz perseguido pela Desgraça sem perdão. Ela o seguiu
com pressa e com tanta pressa até que sua canção ganhou um refrão; até ecoar os
lamentos da sua Esperança que tinha como refrão a frase melancólica ‘Nunca –
nunca mais.’ “

Mas o Corvo ainda seduzia minha alma triste e me fazia sorrir. Logo uma
cadeira acolchoada empurrei diante de ave, busto e porta. Depois, deitado sobre
o veludo que afundava, eu me entreguei a interligar fantasia a fantasia,
pensando no que esta agourenta ave de outrora, no que esta hostil, infausta,
horrenda, sinistra e agourenta ave de outrora quis dizer, ao gritar,
“Nunca mais.”

Concentrado me sentei para isto adivinhar, mas sem uma sílaba expressar
à ave cujos olhos ígneos no centro do meu peito estavam a queimar. Isto e mais
eu sentei a especular, com minha cabeça descansada a reclinar, no roxo forro de
veludo da cadeira que a luz da lâmpada contemplava, mas cujo roxo forro de
veludo que a lâmpada estava a contemplar ela não iria mais apertar, ah, nunca
mais!

Então, me pareceu o ar ficar mais denso, perfumado por invisível
incensário, agitado por Serafim cujas pegadas ressoavam no chão macio.
“Maldito,” eu gritei, “teu Deus te guiou e por estes anjos te enviou.
Descansa! Descansa e apaga o pesar de tuas memórias de Leonor. Bebe, oh bebe
este bom nepenthes e esquece a minha perdida Leonor!”

E o Corvo disse: “Nunca mais.”

“Profeta!” disse eu, “coisa do mal! – profeta ainda, se
ave ou diabo! – Tenhas sido enviado pelo Tentador, tenhas vindo com a
tempestade; desolado porém indomável, nesta terra deserta encantado, neste lar
pelo Horror assombrado, dize-me sincero, eu imploro. Há ou não – há ou não
bálsamo em Gileade? – dize-me – dize-me, eu imploro!”

E o Corvo disse: “Nunca mais.”

“Profeta!” disse eu, “coisa do mal! – profeta ainda, se
ave ou diabo! Pelo Céu que sobre nós se inclina, pelo Deus que ambos adoramos,
dize a esta alma de mágoa carregada que, antes do distante Éden, ela abraçará
aquela santa donzela que os anjos chamam de Leonor; que abraçará aquela rara e
radiante donzela que os anjos chamam Leonor.”

E o Corvo disse: “Nunca mais.”

“Que essa palavra nos aparte, ave ou inimiga!” eu gritei,
levantando – “Volta para a tua tempestade e para a orla das trevas
infernais! Não deixa pena alguma como lembrança dessa mentira que tua alma aqui
falou! Deixa minha solidão inteira! – sai já desse busto sobre minha porta!
Tira teu bico do meu coração, e tira tua sombra da minha porta!”

E o Corvo disse: “Nunca mais.”

E o Corvo, sem sequer se bulir, se senta imóvel, se senta ainda, sobre o
pálido busto de Palas que há sobre a porta do meu quarto. E seus olhos têm toda
a dor dos olhos de um demônio que sonha; e a luz da lâmpada que o ilumina,
projeta a sua sombra sobre o chão. E minh’alma, daquela sombra que jaz a
flutuar no chão, levantar-se-á – nunca mais!

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